JOSÉ NETO BARBOSA
Aos 24
anos, o ator José Neto Barbosa subiu ao palco essa semana para receber o prêmio
"Melhor Ator do Teatro Nacional", pela Academia de Artes no Teatro do Brasil,
desbancando nomes como o consagrado Ary Fontoura e outros atores da cena
nacional. O único potiguar premiado na história da premiação. Mais uma vitória
do teatro potiguar.
VOCÊ CONHECE O POTIGUAR CONSIDERADO
O MELHOR ATOR NACIONAL DE 2015?
Por
Sergio Vilar
SUBSTANTIVO PLURAL
Esquinas de
Santo Antônio do Salto da Onça, Rio Grande do Norte. Nesse cenário, o menino José Neto Barbosa
cresceu. Nasceu mesmo em Natal, mas os alumbramentos infantis partem do colorido
artístico do seu interior afetivo. Afeição que o guiou à arte. Não só a se
maravilhar com a arte, mas a viver dela; ser artista e vestir a roupa de tantos
personagens dos seus sonhos juvenis. Festejos juninos, manifestações
folclóricas, cultura interiorana. Quadrantes do Agreste potiguar. Dos desfiles em concursos e estreias em
peças escolares ao trabalho junto ao S.E.M Cia de Teatro são 13 anos. E aos 24
anos, o ator José Neto Barbosa subiu ao palco essa semana para receber o prêmio
de Melhor Ator do Teatro Nacional, pela Academia de Artes no Teatro do Brasil,
desbancando nomes como o consagrado Ary Fontoura e outros atores da cena
nacional. O único potiguar premiado na história da premiação. Mais uma vitória
do nosso teatro.
Quando se iniciou
nas artes cênicas?
José Neto Barbosa - Quando eu
tinha nove anos minha irmã mais velha era modelo, e por eu sempre acompanhá-la
surgiu o convite de desfilar num concurso. Adorei a experiência de estar “em
cena”. Até que um dia, já no CEI Mirassol, onde eu fazia encenações nas
atividades escolares, soube de um curso de atuação televisiva e teatral. Fiz o
curso e, desde então, não mais parei de fazer oficinas de interpretação. Me
formei duas vezes no extinto Centro de Formação e Pesquisa Teatral de Natal;
duas vezes por que adorava estar lá. Foi uma paixão que ia crescendo a cada
espetáculo convidado e também produzido no grupo teatral escolar que eu
integrava – dirigido por Ruth Freire. Ainda duvidoso em ser ator por profissão,
mesmo já participando de peças profissionais, foi em um auto natalino aqui da
cidade (dirigido por João Junior e Diana Fontes) que Titina Medeiros assistiu
um ensaio, me puxou no cantinho do palco e me fez jurar que eu jamais iria
deixar de fazer teatro na minha vida. Até hoje tenho um carinho mais que
especial por ela, pelo mestre João Júnior, aos queridos dos Clowns (onde sempre
fui oficineiro) e por todos os mestres e as inesquecíveis palavras que eu ouvi
ainda pequeno. Sem escolhas, vi que o palco é o meu lugar, onde me sinto bem,
onde sou completamente feliz.
Quais os primeiros trabalhos, os
primeiros
grupos teatrais que participou?
O tempo foi passando, fiz autos
natalinos, tive experiências com vídeo (publicidade na TV e filmes de
curta-metragem), até montarmos o Grupo de Teatro Janela – junto a Ana Carolina
Marinho, Ranniery Sousa e Cris Reliê. Mas por motivos maiores o grupo teve que
parar. Assim fiquei sem cia.
Fale mais da S.E.M Cia de Teatro.
A S.E.M. Cia de Teatro atualmente
tem sede-escritório em Natal e também no Recife, em Pernambuco. Para pesquisas
práticas e de campo, unimo-nos às nossas parcerias. Surgiu com a necessidade em
oficializar meus estudos que vinham desde o Grupo de Teatro Janela (2010),
afora minhas experiências nesses 13 anos de trajetória como ator e produtor.
S.E.M. significa ”Sentimento, Estéticas e Movimento”. Pesquisa as questões e
inquietudes do humano e suas intimidades, os sentimentos no seu profundo
conceito na busca do sentido e aplicação da Atuação. Reconhece o teatro como
uma arte de encontro e investiga a experimentação de estéticas e poéticas
teatrais, o movimento do fazer teatral não apenas no ato de criação como também
em sua inserção e contribuição para a sociedade. O nome da Cia é sim uma
saudável ironia ao atual movimento de teatro de grupo do Brasil, que pode, em
momentos, se tornar excludente. Reconheço o movimento como plausível e
conquistador das atuais políticas culturais. Mas quero atentar sempre ao
pensamento de formação e inclusão, para que os grupos também tenham um olhar
com os “sem cia”, que por falta de articulações ou até oportunidades acabam
desistindo de fazer teatro. É difícil sim entrar no “mercado de circulações”,
cair na sorte ou agrados de curadores dos poucos editais sendo de um grupo de
teatro, imagina sem ter cia. Pensando em capacitar essa galera, desenvolvemos diversas
ações formativas pelo país, não só de atuação, como também workshops de
produção. Enfim, é uma Cia com um conceito
e funcionalidade bem diferente; tem apenas um ator e outros
integrantes-artistas que compõem as artes no teatro. PC Gurgel também é interprete,
mas na Cia assume pesquisas de iluminação, junto ao pernambucano Gabriel Félix.
Anderson Oliveira é produtor artístico. E Mylena Sousa é uma fotografa e DJ,
que traz seu olhar norueguês entre a imagem e o sonoro. Em parceria com Junior
Dalberto, estreamos o primeiro espetáculo, o monólogo “Borderline”, que já foi
visto por mais de 7.500 pessoas em dois anos de estreia, passando por diversos
estados nordestinos e pelo sul do Brasil.
Metas próximas da companhia?
Estudamos muito Caio Fernando
Abreu, temos olhares para os atuais acontecimentos e discussões do país, e tudo
isso pode resultar nos próximos espetáculos. Faz meses que já iniciamos
pesquisas pelas terras pernambucanas, nos aproximando de queridos artistas de
Recife, como Renato Parentes, a cantora Patricia Solis e o ícone Adriano
Cabral.
Referências e inspirações para
seu trabalho?
O Brasil tem tantos bons e
incríveis atores. Me inspiro na Drica Moraes, no contemporâneo Silvero Pereira,
na Bibi Ferreira, a Montenegro, Paulo Autran, José Celso, minha madrinha Ittala
Nandi, a Kiss. Aos artistas circenses e populares. João Falcão. Cazuza, Ney
Matogrosso, Maria Bethânia. Caio Fernando Abreu, Cida Pedrosa, Gonzaga. Eduardo
Okamoto. E temos atores potiguares incríveis como João Júnior, César Ferrário,
César Amorim, Titina, Quitéria, Nara Kelly, Rogério Ferraz. E o grande João
Marcelino. Sou eclético nos gostos e inspirações.
Boderline foi um divisor de águas
na sua carreira?
Junior Dalberto me conheceu
quando me indicaram para substituir um ator na sua comédia O Velório da
Marquesa Di Fátimo. Fiz uma leitura e nela ele super acreditou em mim.
Circulamos com a comédia pelo Nordeste e logo depois ele me presenteou
escrevendo o espetáculo Borderline pra mim. Diz ele que se inspirou em muitas
coisas, e também no meu olhar, que segundo ele é forte. Sonia Santos nos abriu
o Teatro de Cultura Popular, montamos o espetáculo com um pequeno e importante
apoio da Fecomercio RN. Da estreia pra cá são quase 40 apresentações Brasil
afora, participando de importantes festivais no Sul do Brasil, nas cidades
nordestinas e premiação em Pernambuco. Passamos por 12 equipamentos teatrais.
Já fiz 34 espetáculos/musicais/vivências teatrais nesses anos, comecei cedo.
Mas esse é o meu primeiro monólogo, sem dúvidas marco na minha trajetória. Um
drama forte, que o público se emociona, acolhe.
A peça também concorreu como
melhor monólogo.
Quem foram os concorrentes?
Como Melhor Ator, prêmio que
conseguimos alcançar, concorri com Ary Fontoura (por O Comediante), Thalles
Cabral (por Tadzio), Ricardo Gelli (por Genet, O Poeta Ladrão) e Nicolas Lama
(por Nine, Um Musical Feliniano). Já na categoria Melhor Monólogo concorremos
com a obra de Gregório Duvivier e João Falcão (Uma Noite na Lua), Gustavo
Gasparini (Ricardo III), Isabel Santos (Senhora dos Restos) e o vencedor Paulo
Betti (Autobiografia Autorizada).
Pode descrever detalhadamente
como foi a noite de premiação
para o leitor que não estava lá ter uma noção?
Embora os trajes blacktie, a
premiação foi bem espontânea. Aconteceu em Sergipe, cidade sede. Ficamos em
concentração no Hotel Real Classic, na orla de Aracaju, com os outros indicados
que puderam comparecer. Tiveram representantes de diversos eixos do país,
principalmente de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A cerimônia foi no
charmoso Teatro Lourival Baptista, apenas para convidados e indicados. Evento
exclusivo. Pessoas admiráveis estavam lá! Grupos de teatro com mais de 25 anos
de história, cias de sucesso de público no RJ e SP, dos musicais. Foi uma noite
divertida e descontraída. Alguns indicados foram convidados para anunciar as
premiações, eu tive a honra de poder anunciar a Melhor Cia de Teatro e Melhor
Grupo de Teatro. Só vi pessoas de nome vencendo, lá e cá algumas boas
revelações. Isso me deixava com aquele friozinho na barriga. As categorias mais
importantes iam ficando por último. Anunciaram o Melhor Monólogo e não
vencemos, mas me sentia um vencedor só de estar ali. Após 28 categorias,
restavam duas, e quando anunciaram Melhor Ator… Nossa, eu quase não levantava
da cadeira, não esperava aquilo. E logo falei que esse frio na barriga, as
expectativas e a esperança que nos torna mais humanos, em consequência, mais
atores.
E as palavras ao receber o
prêmio?
Todos se emocionaram com o
discurso, que foi mais ou menos assim: “Não se prepara discurso quando concorre
com Ary Fontoura e outros tantos ícones das artes cênicas. Agradeço a Deus e
todos os elementos da natureza que tornam isso possível. Minha mãe incrível, e
minha família tão amada. A Ittala Nandi que tanto me impulsiona. Ao Anderson
Oliveira que está comigo em todos os momentos da vida. Obrigado a Mylena, Paulo
Sergio, Gabriel Felix e todos que compõem nossa S.E.M. Cia de Teatro, e aos que
já passaram por nossa equipe. Aos meus alunos queridos. A Sonia Santos. A
Rogério Ferraz, mestre que assina luz do Espetáculo. A todos que já nos
produziram/receberam, até independentemente, em suas cidades. Obrigado ao
Junior Dalberto, que acreditou na minha força e escreveu o texto do Borderline
pra mim. Parabéns pra nós, querido! Obrigado a todas as pessoas que acreditam
no meu trabalho! Recebi e recebo muitas vibrações, mensagens de todos –
inclusive dos tantos que nem conheço! Obrigado a todos os mestres, ministrantes
dos cursos e oficinas, e aos diretores que me ensinam esse ofício do palco. Sou
só gratidão, pois Teatro se faz pro povo! Por um teatro mais humano, como arte
de encontro. Para que possamos falar mais de Sentimentos, experimentar
Estéticas e se fazer Movimento. Estou muito emocionado. Passa um filme na
cabeça de todos esses 13 anos de dedicação. Dos momentos complicados e dos
maravilhosos. Mas foi inevitável falar dos difíceis investimentos em cultura –
principalmente de onde venho. Que os nordestinos possam se unir e se valorizar
mais – também, principalmente de onde venho. E de relembrar que, segundo dados,
mais de 80% dos brasileiros não frequentam Teatro – isso é preocupante,
precisamos falar sobre isso sim. Obrigado aos 70 curadores, das diversas regiões
do país, que votaram pela plataforma Cenym. Ao Tom W. Gente, obrigado a todo mundo,
mesmo. Estou muito feliz, é um momento bem especial! Desculpem se estou esquecendo
alguém, por favor entendam, não esperava por isso.”
O que falta e o que sobra no teatro
potiguar?
Falta escola de teatro, faltam
políticas públicas eficientes e eficazes, investimentos. Falta união. Falta
formação, falta produtores de teatro. Falta mais olhar para os nossos. Sobra
dedicação, bons profissionais, e cultura rica, potente.
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