Câmara Cascudo e Mário de Andrade – Cartas, 1924-1944
CARTAS DE UMA AMIZADE SINCERA
Por
Sérgio Vilar
A última etapa do prêmio - o mais prestigiado da literatura nacional - acontece no dia 30 de novembro, durante a cerimônia de premiação dos vencedores das 29 categorias. Na oportunidade, serão conhecidos os vencedores dos dois prêmios máximos do Jabuti: os livros do ano nas categorias Ficção e Não Ficção. E obra do professor da USP Marcos Antônio de Moraes, concorre novamente nesta última com boas chances de vitória.
O contexto das cartas teve início em 1927, quando o paulista Mário de Andrade aportou na Belle Époque natalense. Governos de Juvenal Lamartine e do prefeito Omar O'Grady. E uma cidade governada também pela intelectualidade comandada pelo principado do Tirol, cuja figura de Cascudo era a mais expressiva. E foi com ele que o autor de Macunaíma viria a travar uma amizade produtiva e lembrada até hoje.
O regresso de Mário de Andrade a São Paulo, depois de semanas de pesquisa em Natal e outros 14 municípios potiguares, parece ter deixado um vazio na cidade e em Cascudo. Praticamente todas as cartas endereçadas ao folclorista continham o pedido de nova visita, sob a justificativa de Mário do "mar de trabalho" e compromissos variados que nunca o deixaram voltar a Natal.
Pesquisador Marcos Antonio de Moraes e a obra
ORGANIZADOR
Marcos Antonio de Moraes é o responsável pela compilação de toda a epistolografia de Mário de Andrade, reunida no Instituto de Estudos Brasileiros, e também assina a organização da recém-lançada correspondência entre Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade. O professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros, esse trabalho é resultado da tese de doutorado sobre a epistolografia do escritor modernista - chegou a visitar Natal e conhecer os lugares mencionados nas cartas para redigir notas explicativas das 65 cartas do paulista e das 94 do potiguar.
Ainda assim, a neta de Cascudo e atual coordenadora do Memorial Câmara Cascudo, Daliana Cascudo, comemorou o resultado da premiação. "De certo os dois estão muito felizes de onde estão. É o resultado de 20 anos de amizade", disse. E atestada em carta, disse Mário: "Quando aí for, na casa em que vocês estejam é que irei pedir hospedagem (...) e sempre será quarto de rei pra mim, bem acomodado na amizade de vocês".
O professor aposentado pela UFRN, jornalista e escritor Tarcísio Gurgel, estudioso da obra e das cartas cascudianas endereçadas a Mário de Andrade e autor do livro Belle Éporque na Esquina, ratifica a importância do livro e do autor premiado: "A obra traz um levantamento rateado, mas contém importante material de pesquisa porque Marcos Antônio de Moraes é um pesquisador sério".
Em trabalho anterior, diz Tarcísio, o autor registrou a troca de cartas, cartões e postais de Mário de Andrade com amigos e colegas no período de 1925 a 1929, da viagem ao Nordeste, também com registros da passagem por Natal. Em uma das correspondências, o crítico de arte Antônio Bento lhe fala da expectativa de sua chegada e, no verso do cartão, foto da Cidade Alta. Ao fundo, imagem das dunas gigantes do que viria a ser o Tirol.
Uma terceira carta, aponta Tarcísio Gurgel, é mais significativa. É do futuro colega de Departamento de Cultura, Rubens Borba de Morais, vinda de Paris. A carta denota o entusiasmo de Mário de Andrade pelas coisas de Natal, e critica: "Tenha paciência, isto aqui é melhor que o Rio Grande do Norte", acompanhada de estampa do imponente L'Arc de Triomphe de L'Etoile.
Mas difícil trocar a imponência de um monumento pela vivência do folclorista no Estado potiguar. Por aqui Mário de Andrade conheceu a Redinha, as frutas regionais, religiões, autos natalinos, os causos, a modinha, as salinas, as danças, a poesia modernista e o famoso encontro com o embolador de côco Chico Antônio, no engenho de Antônio Bento. Não à toa, confidenciou ao amigo Drummond: "Ah, seu Carlos, que viajão!".
O autor de Macunaíma e uma amizade produtiva com Cascudo
CARTAS DE BRASILIDADE
Por
Maria Betânia Monteiro
Maria Betânia Monteiro
Câmara Cascudo costurou sua obra com as linhas do folclore, da história, das bibliotecas, dos livros. O fio de Mário de Andrade era outro (não muito diferente): o do romance, da poesia, da arte. Com recortes e estampas particulares criaram tecidos únicos e afins: tinham exclusivamente as cores do Brasil. Apesar da distância territorial existente entre os dois, um no Rio Grande do Norte, outro em São Paulo, trocavam ideias constantemente. O veículo do diálogo foram as cartas (escritas entre 1924 e 1944).
"Câmara Cascudo e Mário de Andrade" é uma edição da Global, organizada pelo pesquisador Marcos Antonio de Moraes. O livro trata da correspondência de dois escritores conscientes de sua brasilidade. Mário de Andrade dizia a Luís da Câmara Cascudo, que ambos deveriam dar uma alma ao Brasil. Cascudo, em toda a sua trajetória de pesquisador e escritor, procurou cumprir esta meta.
Os manuscritos das correspondências de Mário de Andrade (65 mensagens) e de Luís da Câmara Cascudo (94 mensagens) estavam conservados no Ludovicus e no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Sâo Paulo (IEB-USP).
Câmara Cascudo e Mário de Andrade na década de 20 no RN
As cartas trocadas pelos dois amigos são documentos de fundamental importância. Elas têm, entre outras virtudes, o de ser uma das fontes de duas décadas da história literária do país e, talvez, a primeira ligação intelectual entre o Sudeste e o Nordeste. Mário apresenta Cascudo aos grandes intelectuais do sudeste, e é apresentado por este aos valores nordestinos.
Câmara Cascudo dizia a Mário de Andrade que era preciso registrar a verdadeira identidade do Brasil. Nessas correspondências de duas décadas, eles pretenderam tornar ainda mais nítido o relevo de suas obras. Desde 1922, ano em que foi publicada a obra "Pauliceia desvairada", Mário de Andrade se propôs a renovar a literatura brasileira, afastando a artificial influência europeia.
A amizade dos dois tinha bases muito sólidas. Em carta a Manuel Bandeira, de 19 de março de 1926, Mário descreve o perfil do novo amigo: "Vou na Bahia, Recife e Rio Grande do Norte onde vive um amigo de coração que no entanto nunca vi pessoalmente, o Luís da Câmara Cascudo, é um temperamento estupendo e sujeito de inteligência vivíssima e ainda por cima um coração de ouro brasileiro. Gosto dele".
O PRIMOR DAS MISSIVAS
A correspondência entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade é também um exemplo da época da frase bem torneada, da adjetivação precisa, da ênfase na exata medida do pensamento. Cascudo e Mário foram duas figuras tão notáveis, que a veiculação de sua correspondência marca um esplêndido momento da história cultural brasileira, sendo matéria permanente para reflexão dos que se preocupam com o país.
Maria Betânia Monteiro
www.tribunadonorte.com.br
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Documentário - Tela Brasil
Luís da Câmara Cascudo
Documentário - Tela Brasil
Luís da Câmara Cascudo
www.senado.gov.br
"A obsessão de papai era trazer Mário de Andrade para observar o sertão e o nordeste,
mesmo sabendo que Mário não gostava de regionalismos. Papai conseguiu."
Ana Maria Cascudo
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