abril 17, 2013

O XOTE DAS MENINAS NORDESTINAS

 
AS NORDESTINAS
Quatro mulheres quebram barreiras para encontrar o 
seu público tocando e cantando o legítimo forró
 O grupo já representou o RN em eventos internacionais
Fotografia: Divulgação

O XOTE DAS MENINAS

 Por
Henrique Arruda
DO NOVO JORNAL

Dos seis figurinos diferentes, cor de terra e com vários elementos regionais, como o fuxico e chita, agora só dois sobem ao palco com As Nordestinas. Iranilda Santana, ou melhor, a Deusa do Forró, só consegue entrar nesses dois modelos. Ana Clara não permite mais que isso. “É capaz dela sair enquanto eu falo com vocês”, brinca a líder da banda, apontando para o barrigão de nove meses, enquanto se arruma no sofá junto com as outras duas companheiras: Bianca Maggi e Williany Rodrigues, que também é sua filha, tem 16 anos e não desgruda da franja. Juliana Bezerra, a quarta e última integrante ainda não chegou.

“Mulher, eu sei que você lavou o vestido quase agora, mas traga ele molhado mesmo que é só para tirar foto. A minha saia neste momento está rodando ali na máquina de lavar”, pede Deusa à Juliana por telefone. “É que essa semana foi movimentada, sabe? Um show atrás do outro, aí todos os nossos figurinos estão sujos ou lavando”, explica Bianca na ponta do sofá rindo da situação.

O compromisso mais recente das quatro ocorreu no último sábado, quando elas lançaram no Teatro Alberto Maranhão o primeiro DVD ao vivo, gravado no dia 28 de julho do ano passado, em São José do Mipibu. “Acho que esse foi meu último show, antes de Ana Clara nascer. A qualquer momento ela pode vir”, comenta Deusa, dizendo ainda que a produção do primeiro material ao vivo foi um parto.

“Me perguntam quem foi o diretor e eu sempre respondo que foi Deus, e o dinheiro foi a fé, porque não foi fácil não!”, frisa. Bianca lembra também que essa não foi a primeira vez que o grupo tentou gravar um DVD ao vivo. “O primeiro não ficou como a gente esperava. Foi precipitado, então nem lançamos, mas agora esse ficou realmente lindo. A edição está fantástica e foi tudo com o nosso esforço mesmo, sem apoio de ninguém”, afirma sobre o show realizado na praça da cidade.

A história dessas quatro nordestinas começa em 2009, quando Deusa e Bianca decidem montar uma banda de forró pé de serra. A aventura anterior havia chegado ao fim e elas queriam continuar na estrada com o ritmo. Convidaram Juliana para fazer parte do mugunzá, mas ainda precisavam de mais uma cantora para engrossar o caldo.

“Aí a gente começou a fazer teste com várias mulheres, mas nenhuma tinha identidade própria. Várias chegavam aqui cantando o pé de serra como a Joelma do Calypso ou como Solange do Aviões do Forró”, lembra Deusa fazendo mais uma vez todos caírem na gargalhada, enquanto imita o jeito de cantar que as candidatas tinham.

Ela só percebeu que o talento estava em casa, quando a filha resolveu trazer uma amiga da escola para fazer o teste. “Aí eu vi Williany ajudar a amiga e percebi que ela era bastante afinada, que a cantora que a gente precisava estava em casa”, explica enquanto vai buscar uma matéria de três anos atrás, quando a filha estava com o cabelo menos claro. “Ela tem ódio das fotos dessa época”, denuncia.


“Ah, depois que criaram o youtube, as coisas apodrecem lá e ninguém tira. Não gosto das fotos dessa época. É tenso”, reforça a filha, hoje com novo visual, bem mais loira. “E grande? Já passou a mãe e tudo”, baba a mãe coruja. Na banda, Williany toca “ganzá”, que ela considera um instrumento fácil de aprender, mas que exige atenção.

“Assim que eu comecei tinha que prestar bastante atenção para não perder o ritmo, mas hoje em dia é bem mais tranquilo”, diz. “Pensa em aprender algum outro instrumento?”, pergunta o repórter. “Não, e até porque minha mãe quer manter mesmo a formação original do pé de serra”, garante explicando que, no palco, o público pode ver ganzá, zabumba, sanfona, triângulo e agogô.
 
 Fotografia: Divulgação

PÉ DE SERRA, MESMO

Furar o clube do bolinha que cerca o ritmo desde antes de Luiz Gonzaga não foi fácil, tanto que quando vão tocar ao vivo elas ainda precisam de uma ajudinha masculina, ou melhor, duas, para completar a banda. “É difícil achar uma sanfoneira mulher”, argumenta Bianca. O grande diferencial das Nordestinas no palco, em comparação, com outros “sanfoneiros”, é justamente o zelo com a música.

“Eu fico doente quando chego nos lugares e o povo anuncia um trio de sanfoneiros que começa a cantar “Quando olhei a terra dentro da fogueira de São João”... quer dizer, já morreu queimado, né? O povo pensa que é só tocar e desembuchar qualquer coisa, às vezes ninguém nem entende o que eles cantam. É por isso que muita gente não gosta do ritmo”, comenta Deusa.

“Afinação é essencial”, completa Bianca comentando ainda que existe público para o pé de serra; o que não existe é o apoio das rádios. “Só toca se pagar ou se for em algum programa específico de pé de serra”, explica.

“A gente ouve de tudo... é Esse Cara Sou Eu que ninguém aguenta mais. Mas o pé de serra mesmo ninguém escuta, a não ser que seja esse forró comercial, sem letra, de hoje em dia”, critica Deusa, elegendo ainda a Paraíba como um exemplo de valorização às raízes do forró.

E é justamente por esta falta de apoio que todas elas ocupam outras funções, além da banda. Deusa trabalha na Secretaria de Assistência Social de Parnamirim, Juliana é gerente comercial de uma empresa e Bianca é professora de música do município de Parnamirim. “A gente faz por amor mesmo”, garantem.

“Ainda não temos visibilidade nacional e na verdade saímos muito pouco do estado. Somos muito convidadas para o interior. Em Acari, por exemplo, o tributo a Elino toca nas rádios e as crianças cantam, somos muito bem recebidas também em Martins e Guamaré”, definem.

Mesmo que não tenham viajado o país inteiro, o que ainda gostariam de fazer, elas foram longe em 2010. A convite do grupo Parafolclórico da UFRN, se apresentaram no “The 8TH China International Folk Art Festival”, que acontece de três em três anos e reúne artistas do mundo inteiro. “E será que eles conseguiram entender vocês?”, pergunta o repórter.

“Se eles entenderam ou se a gente entendeu eu não sei, mas sei que a gente não deixou ninguém parado e olhe que o mundo todo estava lá, mas é um povo muito frio. A gente chegava perto mesmo do público, todos os chineses vinham tirar foto com a gente”, recorda. “Música é universal, né? E o interessante é que mesmo o que era popular na Europa, era erudito para a gente”, complementa Bianca.

“Eu não canto com a minha voz não, eu canto com a minha alma, e se eu estou mal, as meninas ficam mal também, se elas estão mal eu levanto. É uma energia inexplicável. Sinceramente? O palco é uma terapia. Adoro estar com o público e incorporar a Elba, Luiz Gonzaga, quem seja”, conclui a Deusa do Forró, levantando-se junto com Ana Clara para começar as fotos da matéria.

 
Fotografia: Divulgação

A DEUSA

Iranilda Santana só se reconhece assim quando tem que assinar algum documento ou receber encomenda dos Correios. De resto, até os familiares já se acostumaram com o nome dado há mais de 15 anos, quando ela ainda cantava na noite natalense.

“Eu cantava tudo, até inglês”, detalha Deusa enquanto solta um “Speending my timeeee”, fazendo todo mundo rir na sala. “Mas era no forró que eu me soltava mesmo. O público percebia isso. E teve esse dia que eu tava lá em um bar e esse homem chegou dizendo que eu era uma Deusa, começou a espalhar pra todo mundo que tava no bar e sabe como é apelido né? quanto mais você odeia, mas as pessoas te chamam assim. Eu detestava, então pegou”, conta, dizendo que hoje acha o nome forte.


Aliás, o nome que ela ganhou pelas noites natalenses quase que influenciou diretamente o batismo da nova banda, que quase ficou As Deusas do Pé de Serra. O insight para que As Nordestinas se chamassem assim só veio algum tempo depois, quando um amigo do grupo chamou atenção para o fato de Deusa ser “brejeira”.

Aliado ao ritmo que elas tanto queriam difundir, estava na cara que o nome daria certo.
 

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