A ARTE DO MESTRE DOS MAMULENGOS
Os bonecos do Mestre fogem do habitual e fascinam
o público
Sua arte Já foi homenageada pela Câmara Municipal de Natal
com a
Comenda Deífilo Gurgel e um comercial criado com
os bonecos produzidos pelo artesão já recebeu
premiação nacional em Gramado
os bonecos produzidos pelo artesão já recebeu
premiação nacional em Gramado
Fotografia:Cícero Oliveira
OS MAMULENGOS DE RAUL
Por
Hellen Almeida
AGECOM
Agência de Comunicação da UFRN
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
“Quando meus bonecos vão embora é
como um filho que vai embora. Um filho meu que vai representar meu nome lá
fora”. Esse é o sentimento vivenciado por Francisco de Assis Gomes, mais
conhecido por Raul do Mamulengo, destacado artesão norte-riograndense que
dedica a vida a divulgar a arte de manipular bonecos e de contar “histórias de
Trancoso” para o público de diversas idades no Rio Grande do Norte.
Raul do Mamulengo já se
apresentou na maior parte dos municípios do RN e viaja para estados próximos
para mostrar sua arte. Já foi homenageado pela Câmara Municipal de Natal com a
Comenda Deífilo Gurgel e um comercial criado com bonecos produzidos pelo
artesão já recebeu premiação nacional em Gramado. O trabalho era de divulgação
da festa Mossoró Cidade Junina e retratava a luta travada entre os moradores da
cidade e o bando do cangaceiro Lampião.
O reconhecimento do esforço
realizado aumenta a responsabilidade em manter viva a arte, que recebe atenção
especial na confecção dos bonecos e na produção das apresentações. O artesão
fabrica seus personagens em uma oficina montada no quintal de casa, no conjunto
Parque das Dunas, Zona Norte de Natal. Ele ri e estima já ter feito mais de 700
mamulengos, que são para ele como uma família. “São como filhos meus”, brinca.
Os bonecos são feitos de madeiras
como mulungu, imburana, raiz de timbaúba e pinhão bravo, material que ele busca
no interior do Rio Grande do Norte a cerca de 110 km de Natal. Raul explica que
o tempo para a confecção dos mamulengos varia, conforme o modelo e o material
empregado, já que algumas madeiras são mais duras e demoram mais para serem
modeladas. As ferramentas utilizadas no processo são adaptadas para a
necessidade do artesão.
Para criar cada personagem, ele
não precisa desenhar, vai criando no improviso. “Vai nascendo naturalmente. Vou
fazendo uma peça e minha mente já vai dizendo como deve ser feito”, revela,
mexendo as mãos como se esculpisse um boneco.
O ofício de artesão surgiu quando
ainda era criança. Neto de contador de histórias – as famosas histórias de
Trancoso do interior –, era comum para ele ver apresentações de João Redondo na
região onde morava. O apelido Raul também é dos tempos da infância: aos 12 anos
resolveu adotar o nome de um dos homens mais ricos do lugar em que vivia, a
cidade de São Tomé (RN).
“Quando éramos pequenos, nós queríamos
ser donos de terras, viajar, ser alguém na vida. Eu acreditava que um dia eu ia
melhorar de vida, tinha essa fé, daí comecei mudando meu nome”, relembra, ao
contar que ele e os amigos se espelhavam em conhecidos que tinham melhores
condições. Em sua turma, outro colega chamado Clodemir passou ser Sinésio. Já
Francisco Vicente passou a atender por Paulo Gomes.
Ainda criança, Raul fazia bonecos
com piões, improvisava um cenário com a coberta da rede de dormir, esticada no
canto da parede, e armava um teatro de bonecos de brincadeira com os colegas. O
artesão lembra que, na época, não possuía os meios que hoje tem para fazer
trabalhos com muito luxo e bem acabados. O que fazia era pintar o boneco do
capitão João Redondo com a flor do mororó, planta que solta uma tinta amarela.
Fazia também Baltazar, outro personagem famoso no mamulengo.
A brincadeira de menino ficou
“esquecida” por cerca de 30 anos, recorda, só sendo retomada quando já
trabalhava na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como motorista.
Na ocasião de uma Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura da UFRN (CIENTEC),
Raul conversou com a brincante de João Redondo – ou calungueira – Dona Dadi,
que o incentivou a voltar a trabalhar com os bonecos.
A partir daquele dia passou a
investir no novo ofício “com gosto de gás”. Segundo ele, alguma coisa o dizia
para seguir em frente com vontade e fazer um trabalho de qualidade. Nessa
época, já estava com 35 anos de idade.
Raul conta que não foi um período
fácil quando começou a trabalhar com mamulengo. “Eu falava no trabalho o que eu
estava fazendo, resgatando a cultura do Nordeste, e as pessoas diziam: a gente
não tem interesse não. Agora é o contrário. Ligam pra mim perguntando se eu
posso dar entrevista, falar sobre o trabalho que desenvolvo”, relata.
Hoje, os “filhos” de Raul estão
espalhados pelo Brasil e pelo exterior. Atualmente existem mamulengos feitos
por ele no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Brasília, em Minas Gerais, em
Curitiba, em Porto Alegre, no Recife, em Mossoró, na Bahia e até na França. O
artesão conta que a ida dos bonecos para a França aconteceu de forma
espontânea. Após participar do programa Xeque-Mate, da TV Universitária, uma
estudante da UFRN pediu para que o mamulengueiro construísse uma caricatura de
seu tio, produtor de cinema no país europeu. Raul então fez um boneco segurando
uma câmara de filmagem, que foi enviado para o Velho Continente.
NOVOS PRODUTOS
Buscando se destacar cada vez mais com seu
trabalho, Raul do Mamulengo busca novidades para sua produção como artesão
popular. Não bastassem os mamulengos conhecidos nacionalmente, ele investe em
novos produtos, como peças artísticas fabricadas com material reciclado.
Raul diz que o artista não pode
fazer só uma coisa, senão ele “está frito”. Atualmente, ele busca no lixo
inspiração para peças artesanais: a fibra retirada do interior de portas de
geladeira, por exemplo, se transforma em peixes decorativos. As cabaças,
originadas de uma planta muito comum no interior do Nordeste, dão vida a
pássaros após passar pelas mãos hábeis do artesão, que finaliza o trabalho com
o uso de tintas coloridas. Outra habilidade é compor mosaicos de caleidoscópio
utilizando pincel fino e tinta de automóvel de secagem rápida.
“Eu vou pegando tudo o que as
pessoas descartam, que acham que é lixo. É um trabalho que também está
consolidado. Recentemente fiz uma exposição na Universidade, após passar por
uma comissão julgadora que avaliou todo o material. Esse reconhecimento me
deixou muito feliz”, comemora.
Um homem simples, defensor das tradições
nordestinas, determinado, apaixonado pelo que faz e pela família que tem, Raul
do Mamulengo se diz realizado. “Aquele menino pobre, que saiu do interior, hoje
é conhecido e respeitado na área da arte”, emociona-se.
Mas, a melhor definição de
Francisco de Assis Gomes está nas palavras de um colega de trabalho na UFRN,
Ariston Bruno da Silva, que descreve o artesão como um ser humano raro. Com um
sorriso no rosto, vestindo suas camisas floridas, chapéu na cabeça e cordão de
prata no pescoço, o “bigodudo”, como Ariston chama Raul, sempre chega alegre e
repleto de picardia.
“Jamais encontrei o sujeito com
mau humor. Não há no trabalho alguém que não tenha escutado algumas
de suas piadas
ou até mesmo
história. Um personagem que enriquece
o ambiente e sempre reafirma ‘eu sou internacional’”. Para Bruno, Raul é
essencialmente um ser que transmite alegria, assim como seus bonecos.
...fonte...
www.sistemas.ufrn.br
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