Prédio do Procon Estadual está
interditado por falta de manutenção
Fotografia: Junior Santos
MEMÓRIA SEM GARANTIA
Por
Yuno Silva
TRIBUNA DO NORTE
Na possibilidade de uma analogia
psico-linguista do verbo “tombar”, diria-se que ele sofre de ‘bipolaridade’: a
mesma palavra designa tanto a preservação oficial de um imóvel enquanto
patrimônio histórico, cultural e arquitetônico; como serve de sinônimo para
“derrubar”, “desabar”, “fazer cair”. Quando as duas coisas se confundem, o
diagnóstico se complica e beira a esquizofrenia: caso do edifício localizado na
esquina das ruas Quintino Bocaiúva e Padre Joaquim Manoel, na Cidade Alta, que
ruiu sexta-feira passada (dia 14) após a forte chuva que caiu em Natal.
Ironicamente, o prédio de
propriedade da Arquidiocese de Natal construído nos anos 1930 para abrigar
doentes, e que a partir da década de oitenta foi ocupado pela Nordeste Gráfica,
é o primeiro na fila de restauração do PAC Cidades Históricas no lote sob a
tutela do Iphan-RN. O prédio, segundo a própria Arquidiocese, estava fechado
havia cerca de dez anos. A meta é restaurá-lo para receber o arquivo diocesano
que hoje encontra-se no subsolo da Catedral Nova na Av. Deodoro.
Mas o desabamento em questão
levanta uma série de dúvidas: quem, afinal, responde pela conservação de
imóveis preservados pelo patrimônio? Existe fiscalização específica para evitar
esse tipo de sinistro? Em que situações cabe a aplicação de multa? Os
proprietários podem pedir ‘destombamento’ de um imóvel?
“O tombamento no Brasil, apesar
de restritivo, não altera a propriedade nem define o uso”, disse Onésimo
Santos, superintendente do Iphan-RN. “Pode, em alguns casos, no máximo,
restringir a utilização”. Na prática o tombamento garante a preservação dos
traços originais do imóvel, que não pode ser demolido ou reformado sem
autorização prévia.
Onésimo informou que a
fiscalização junto aos imóveis tombados pelo patrimônio passará a ser mais
efetiva a partir deste ano – o Iphan nacional desenvolveu um sistema específico
para fiscalizar, o que trará mais agilidade ao processo. “Quando constatamos
algum problema notificamos o proprietário, que pode ser multado, inclusive, se
não informar o Iphan sobre falta de recursos para manter o imóvel”. Em 2013 o
Iphan-RN realizou 48 inspeções de fiscalização em imóveis tombados, que resultaram
em 13 processos de intervenção e/ou notificação.
O superintendente explicou que,
em muitos casos, há dificuldades para determinar o proprietário. “Como são
imóveis antigos, muitas vezes têm vários proprietários, ou até herdeiros
presumidos”. Onésimo lembrou o caso da boate Arpege, na Rua Chile: o assunto
foi parar na Justiça há dois anos, e o processo tramita em segunda instância.
“Entramos com um pedido de providências por parte da proprietária, que hoje
mora no Rio de Janeiro, quanto a preservação do imóvel. Quando um caso desse
vai parar na Justiça, o processo pode ser demorado mesmo”, avisa.
Quanto ao ‘destombamento’, Santos
destaca que só quem tem poder para fazer isso é o Ministério da Cultura. “Não
existe do proprietário argumentar contra um tombamento”, garante. A boa notícia
é que o PAC Cidades Históricas prevê R$ 300 milhões em recursos para,
justamente, financiar restauração de imóveis particulares. “Essa linha de
crédito ainda não está aberta, mas acredito que até o final do ano será regulamentada.
Aqui no RN temos até dia 30 de abril para passar um relatório informando quais
os imóveis podem se beneficiar desses recursos”, adiantou Onésimo Santos, do
Iphan-RN.
SEM FISCALIZAÇÃO
Enquanto Iphan-RN não pode
obrigar um proprietário restaurar o próprio imóvel, a Secretaria Municipal de
Meio Ambiente e Urbanismo não possui um setor especializado para fiscalizar e
garantir a preservação de imóveis tombados pelo patrimônio. A Semurb é a pasta
que regula a ocupação do solo em Natal e é responsável pela autorização de
qualquer nova construção ou reforma em curso na cidade.
“Nossa fiscalização não faz
distinção se um imóvel é ou não tombado, a preservação é de responsabilidade do
proprietário. Fiscalizamos obras em execução, e agimos quando as intervenções
não possuem autorização da Secretaria”, disse o titular da Semurb Marcelo
Toscano.
Toscano informou que não há como
a Semurb fiscalizar a estrutura física dos prédios. “Nosso setor de patrimônio
histórico trabalha junto com Iphan-RN em algumas atividades, geralmente ações
ligadas à promoção do circuito histórico e aos imóveis administrados pela
Prefeitura”. Aí fica a pergunta: como promover um circuito histórico se não há
mecanismos para cuidar desse circuito?
Para a área da Ribeira, disse o
secretário, há uma lei que regulamente incentivos fiscais (IPTU e ISS) para
quem quer investir no bairro histórico. “Mas essa lei está sendo revista, será
readequada para potencializar sua utilização”, informou Marcelo Toscano.
ARQUIVO
Propriedade da Arquidiocese de
Natal, o prédio que desabou na Cidade Alta será restaurado e, apesar do
ocorrido, o cronograma segue sem alteração: inserido no lote do PAC Cidades
Históricas sob a tutela do Iphan-RN, a previsão é que a licitação para as obras
de recuperação, que agora serão mais dispendiosas, seja lançada no início do
segundo semestre deste ano. “O projeto executivo para o restauro estava pronto
e seguiria para uma última avaliação antes de abrirmos o edital de licitação.
Agora, além do escoramento emergencial, vamos fazer os ajustes necessários”,
disse Onésimo Santos, superintendente do Iphan-RN.
A Arquidiocese de Natal quer
reerguer o prédio para abrigar o arquivo diocesano, que hoje encontra-se no
subsolo da Catedral na av. Deodoro. Utilizado inicialmente para receber e
tratar pessoas doentes, o local será aberto à comunidade e terá espaço para
exposição e sala de eventos. “Não temos a intenção de derrubar o imóvel, vamos
fazer tudo o que for preciso para o imóvel ser recuperado”, informou Vital
Bezerra de Oliveira, coordenador administrativo e patrimonial da Arquidiocese.
O coordenador patrimonial adiantou que a partir de hoje a Arquidiocese de Natal
irá iniciar a tomada das medidas necessárias para atender orientação do Corpo
de Bombeiros e da Defesa Civil quanto a interdição e prevenção de acidentes no
local
O QUE
O PAC Cidades Históricas prevê a
restauração de igrejas, obras de arte, museus, bibliotecas, prédios históricos,
mercados e praças. Em Natal serão investidos R$ 43,4 milhões para restauração
de nove prédios e treze praças. Os projetos
foram elaborados pelo Governo do RN, Prefeitura do Natal, UFRN e Iphan-RN.
...fonte...
Yuno Silva
repórter
Cinthia Lopes
editora
www.tribunadonorte.com.br
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