PASSO DA PÁTRIA
Comunidade localizada
entre os bairros Alecrim e Cidade Alta, Natal/RN
Dividida de um lado
pela linha do trem e do outro pelo Rio Potengi
Um lugar hostilizado,
estigmatizado e deformado pela mídia, mas
é possuidor de uma
história que precisa ser recontada
para que possa ser
conhecida e respeitada.
TRIBUNA DO NORTE
“Por conhecer melhor a dinâmica
do Passo da Pátria, através de suas ruas, vielas, desejos, amores, paixões,
sofrimentos, tristezas, alegrias, homens, mulheres, espaços de negócios, de
histórias ressignificadas, de códigos, simbologias, signos e manifestações, ou
seja, de suas práticas e discursos, percebi que era possível apresentar outro
Passo da Pátria, não aquele que só é conhecido através das páginas policiais,
hostilizado, estigmatizado e deformado pela mídia como ‘lugar de bandido’ e
‘antro de miséria’. Para fugir desse senso comum, o Passo da Pátria que aqui
queremos mostrar é diferente, é uma comunidade ‘marginalizada’ sim, pois vive à
margem, mas é possuidora de uma história que precisa ser recontada a partir da
visão de seus atores sociais, para que possa ser conhecida e respeitada”.
A declaração de Carlos Magno de
Souza, historiador, professor e autor do livro “Passo da Pátria – Um lugar de
memórias” (R$ 177 páginas, R$ 35) sintetiza sua intenção de revelar e preencher
lacunas históricas que o tempo, o preconceito e a falta de atenção se
encarregaram de apagar. Ele compartilha seu ‘tesouro’ com o público nesta
sexta-feira (4), às 19h, no IFRN-Cidade Alta. A publicação sai pelo selo Sarau
das Letras com apoio dos colégios Salesiano, Cei Zona Sul e Jelm. Após o
lançamento, o título pode ser encontrado nas livrarias Nobel Salgado Filho e
Saraiva.
Morador da comunidade encravada
entre o Rio Potengi e a linha do trem, na parte baixa da Cidade Alta, guardada
por Nossa Senhora da Apresentação do alto da Pedra do Rosário, Magno
materializa com a obra o desejo antigo de contar – sob a ótica de quem vive às
margens do mangue – um capítulo significativo da Natal que remonta ao século
19, quando o Passo da Pátria era o principal porto e porta de entrada do
comércio da capital potiguar.
CARLOS SOUZA
Busco provocar um olhar mais sensível para aquele espaço
Fotografia: Ana Silva/Tribuna do Norte
Atualmente a comunidade é formada
por três núcleos: Areado, Pantanal (ou Bairro de São Francisco) e a área do Passo
em si, onde vivem cerca de 3,8 mil pessoas.
Com informações atualizadas,
vasta iconografia e referências, o livro começou a ser pensado no início dos
anos 1990, quando Carlos Magno trocou Mãe Luiza pelo Passo com dois ‘esses’
(Paço com cedilha faz referência à palácio). Cinco anos se passaram do início
das entrevistas com moradores antigos, e pesquisas em arquivos públicos e de
jornais, até a impressão da obra. “Trabalhei com a memória, dando visibilidade
às lembranças daqueles que ainda viram todo o movimento que o Passo da Pátria
viveu”.
O autor investigou vestígios
culturais e sociais de um passado nem tão distante quanto parece. “(O prefeito)
Djalma Maranhão e sua equipe se reuniam no Passo da Pátria para formatar o que
viria a ser a cartilha do projeto educacional ‘De pé no chão também se aprende
a ler’ (1961-64)”, lembrou o autor, para quem a oralidade possibilita contar a
história a partir do sujeito, “de baixo para cima”: “Busco provocar um olhar
mais sensível e cuidadoso para com aquele espaço”, afirma.
Os depoimentos, os arquivos e a
história amealhada por Magno dão conta de uma feira que concentrava “toda a
dinâmica comercial da cidade” desde a primeira década dos anos 1800 até o
início da segunda metade do século 20. No Passo da Pátria funcionava o porto
que abastecia o Alecrim, a Ribeira e a Cidade Alta, a linha do trem que corta o
local ajudava a escoar produtos que chegavam de Macaíba e São Gonçalo do
Amarante para cidades vizinhas. “O mesmo galpão ocupado pela feira livre de
dia, se transformava em forró à noite”, contou Carlos Magno.
A CIDADE DE COSTAS
Entre as entrevistas que ajudaram
a dar corpo ao conteúdo de “Passo da Pátria – Um lugar de memórias”, algumas
com longos trechos transcritos, figuram desde nomes conhecidos como Dom Nivaldo
Monte (1918-2006) a gente anônima como Jaime Rosendo e Antônia Silvestre. “A
cidade deu as costas para essas pessoas, para o Potengi, para as comunidades
ribeirinhas; lugares que guardam uma riqueza histórica e cultural oculta, e
que, hoje em dia, só são lembradas quando aparecem nas páginas policiais.
O nome Passo da Pátria, contou o
autor, foi dado pelo então presidente da província José Olinto Meira, que
homenageou os natalenses voluntários na Guerra do Paraguai (1864-1870) e ao
fato do lugar ser passagem importante, porta de entrada da cidade na época.
O jornalista Tarcísio Gurgel, que
assina a orelha do livro, reforça a importância da pesquisa e da publicação:
“Até onde sei com as poucas exceções – e são bem poucas, mesmo – a
historiografia potiguar, seguindo uma tradição que remonta há séculos tem
direcionado o seu foco para ditos protagonistas, deixando de lado o que, sob
essa ótica considera irrelevante. (…) Carlos Magno desvenda para nós todos a
história de uma parte da cidade que a cidade desconsiderou, e isto, torna sua
experiência relevante”.
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