março 21, 2014

MEMÓRIA POTIGUAR SEM GARANTIA

Prédio do Procon Estadual está interditado por falta de manutenção
Fotografia: Junior Santos

MEMÓRIA SEM GARANTIA

Por
Yuno Silva
TRIBUNA DO NORTE

Na possibilidade de uma analogia psico-linguista do verbo “tombar”, diria-se que ele sofre de ‘bipolaridade’: a mesma palavra designa tanto a preservação oficial de um imóvel enquanto patrimônio histórico, cultural e arquitetônico; como serve de sinônimo para “derrubar”, “desabar”, “fazer cair”. Quando as duas coisas se confundem, o diagnóstico se complica e beira a esquizofrenia: caso do edifício localizado na esquina das ruas Quintino Bocaiúva e Padre Joaquim Manoel, na Cidade Alta, que ruiu sexta-feira passada (dia 14) após a forte chuva que caiu em Natal.

Ironicamente, o prédio de propriedade da Arquidiocese de Natal construído nos anos 1930 para abrigar doentes, e que a partir da década de oitenta foi ocupado pela Nordeste Gráfica, é o primeiro na fila de restauração do PAC Cidades Históricas no lote sob a tutela do Iphan-RN. O prédio, segundo a própria Arquidiocese, estava fechado havia cerca de dez anos. A meta é restaurá-lo para receber o arquivo diocesano que hoje encontra-se no subsolo da Catedral Nova na Av. Deodoro.

Mas o desabamento em questão levanta uma série de dúvidas: quem, afinal, responde pela conservação de imóveis preservados pelo patrimônio? Existe fiscalização específica para evitar esse tipo de sinistro? Em que situações cabe a aplicação de multa? Os proprietários podem pedir ‘destombamento’ de um imóvel?

“O tombamento no Brasil, apesar de restritivo, não altera a propriedade nem define o uso”, disse Onésimo Santos, superintendente do Iphan-RN. “Pode, em alguns casos, no máximo, restringir a utilização”. Na prática o tombamento garante a preservação dos traços originais do imóvel, que não pode ser demolido ou reformado sem autorização prévia.

Onésimo informou que a fiscalização junto aos imóveis tombados pelo patrimônio passará a ser mais efetiva a partir deste ano – o Iphan nacional desenvolveu um sistema específico para fiscalizar, o que trará mais agilidade ao processo. “Quando constatamos algum problema notificamos o proprietário, que pode ser multado, inclusive, se não informar o Iphan sobre falta de recursos para manter o imóvel”. Em 2013 o Iphan-RN realizou 48 inspeções de fiscalização em imóveis tombados, que resultaram em 13 processos de intervenção e/ou notificação.

O superintendente explicou que, em muitos casos, há dificuldades para determinar o proprietário. “Como são imóveis antigos, muitas vezes têm vários proprietários, ou até herdeiros presumidos”. Onésimo lembrou o caso da boate Arpege, na Rua Chile: o assunto foi parar na Justiça há dois anos, e o processo tramita em segunda instância. “Entramos com um pedido de providências por parte da proprietária, que hoje mora no Rio de Janeiro, quanto a preservação do imóvel. Quando um caso desse vai parar na Justiça, o processo pode ser demorado mesmo”, avisa.

Quanto ao ‘destombamento’, Santos destaca que só quem tem poder para fazer isso é o Ministério da Cultura. “Não existe do proprietário argumentar contra um tombamento”, garante. A boa notícia é que o PAC Cidades Históricas prevê R$ 300 milhões em recursos para, justamente, financiar restauração de imóveis particulares. “Essa linha de crédito ainda não está aberta, mas acredito que até o final do ano será regulamentada. Aqui no RN temos até dia 30 de abril para passar um relatório informando quais os imóveis podem se beneficiar desses recursos”, adiantou Onésimo Santos, do Iphan-RN.

SEM FISCALIZAÇÃO

Enquanto Iphan-RN não pode obrigar um proprietário restaurar o próprio imóvel, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo não possui um setor especializado para fiscalizar e garantir a preservação de imóveis tombados pelo patrimônio. A Semurb é a pasta que regula a ocupação do solo em Natal e é responsável pela autorização de qualquer nova construção ou reforma em curso na cidade.

“Nossa fiscalização não faz distinção se um imóvel é ou não tombado, a preservação é de responsabilidade do proprietário. Fiscalizamos obras em execução, e agimos quando as intervenções não possuem autorização da Secretaria”, disse o titular da Semurb Marcelo Toscano.

Toscano informou que não há como a Semurb fiscalizar a estrutura física dos prédios. “Nosso setor de patrimônio histórico trabalha junto com Iphan-RN em algumas atividades, geralmente ações ligadas à promoção do circuito histórico e aos imóveis administrados pela Prefeitura”. Aí fica a pergunta: como promover um circuito histórico se não há mecanismos para cuidar desse circuito?

Para a área da Ribeira, disse o secretário, há uma lei que regulamente incentivos fiscais (IPTU e ISS) para quem quer investir no bairro histórico. “Mas essa lei está sendo revista, será readequada para potencializar sua utilização”, informou Marcelo Toscano.

ARQUIVO 

Propriedade da Arquidiocese de Natal, o prédio que desabou na Cidade Alta será restaurado e, apesar do ocorrido, o cronograma segue sem alteração: inserido no lote do PAC Cidades Históricas sob a tutela do Iphan-RN, a previsão é que a licitação para as obras de recuperação, que agora serão mais dispendiosas, seja lançada no início do segundo semestre deste ano. “O projeto executivo para o restauro estava pronto e seguiria para uma última avaliação antes de abrirmos o edital de licitação. Agora, além do escoramento emergencial, vamos fazer os ajustes necessários”, disse Onésimo Santos, superintendente do Iphan-RN.

A Arquidiocese de Natal quer reerguer o prédio para abrigar o arquivo diocesano, que hoje encontra-se no subsolo da Catedral na av. Deodoro. Utilizado inicialmente para receber e tratar pessoas doentes, o local será aberto à comunidade e terá espaço para exposição e sala de eventos. “Não temos a intenção de derrubar o imóvel, vamos fazer tudo o que for preciso para o imóvel ser recuperado”, informou Vital Bezerra de Oliveira, coordenador administrativo e patrimonial da Arquidiocese. O coordenador patrimonial adiantou que a partir de hoje a Arquidiocese de Natal irá iniciar a tomada das medidas necessárias para atender orientação do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil quanto a interdição e prevenção de acidentes no local

O QUE

O PAC Cidades Históricas prevê a restauração de igrejas, obras de arte, museus, bibliotecas, prédios históricos, mercados e praças. Em Natal serão investidos R$ 43,4 milhões para restauração de nove prédios e treze praças. Os projetos  foram elaborados pelo Governo do RN, Prefeitura do Natal, UFRN e Iphan-RN.

...fonte...
Yuno Silva
repórter
Cinthia Lopes
editora
www.tribunadonorte.com.br

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