junho 18, 2012

AS MÃOS CALEJADAS DO ESCRAVO DA ARTE

 A arte começou a fazer parte da vida de Escravo a partir de 1978, 
quando  participou de um curso de talha. De lá para cá, 
foram os trabalhos com as esculturas em madeira que o sustentaram
  fotografia: Ricardo Lopes

  UMA VIDA DEDICADA À ARTE

Por
Cristiano Xavier

Em um pequeno alpendre do bairro Boa Vista, em Mossoró, um escultor apronta alguns trabalhos para serem expostos durante o Mossoró Cidade Junina. Gilvan Almeida Vital ou Escravo da Arte, como gosta de ser chamado, é um exemplo de artista que vive do seu ofício.

Ao lado da casa dos músicos Mazinho Viana e Regina Casa Forte, ele maneja uma pequena lâmina e corta a madeira, calmamente. Nas mãos, as marcas do trabalho: uma cicatriz próxima ao pulso foi a pior delas. "Eu estava utilizando uma lâmina muito afiada e, por uma pequena displicência, ela atingiu esta região... fiquei preocupado, pois sangrava muito", comenta Escravo, mostrando a cicatriz e as mãos calejadas de esculpir nas imburanas.

Seus trabalhos revelam o Nordeste e a cultura africana, com a qual se identifica. Ao lado do alpendre, uma escultura de Zumbi dos Palmares (ainda por terminar) é um das peças a que o artista se dedica já há alguns anos. "Comecei a esculpi-la há uns oito anos, mas ainda não terminei, porque apareceram outros trabalhos", explica, enquanto segura as correntes que aprisionam a escultura a um dos mourões que sustentam o alpendre: "Ele está preso por conta dos ladrões", brinca Escravo, frisando que a escultura fica ali durante toda a semana, em exposição, acorrentada. "Mas é por pura necessidade de se acorrentar mesmo", reforça.

Escravo é um dos muitos artistas que, durante o período junino, aumentam a receita com a venda de produtos artesanais. "Este período é importante, pois muitas pessoas de fora vêm para a cidade e adquirem o material exposto na Cidadela. Considero o melhor período para se negociar arte. Infelizmente, devido à escassez de material para se trabalhar, principalmente a madeira, temos que correr para aprontar as esculturas... Penso em fazer uma exposição, mas a necessidade não permite agora. Então, não dá para juntar trabalhos. Vou fazendo e vendendo", declara, enquanto mostra a réplica da Igreja de São Vicente, um dos seus trabalhos preferidos...

Os trabalhos também servem para chamar atenção durante o evento. "Esta igreja, por exemplo, é uma espécie de trabalho que serve para chamar o público. É uma forma que temos de mostrar esculturas maiores, bem trabalhadas", diz. Perguntamos se ele venderia a igreja. Escravo fala que não, mas revela que a necessidade já fez com que muitas vezes "saísse por aí", vendendo o material. "Tudo depende da necessidade. Quem é artista, que vive do seu trabalho, sabe do que estou falando. Já me aconteceu de sair com as minhas esculturas, chegar numa praça, expor e vendê-las... às vezes, até por um preço muito abaixo do que imaginava. Em algumas situações, o preço do trabalho é igual à necessidade do artista", diz, sorrindo, enquanto mostra o lugar onde trabalha. "Sabe, aqui é bom. Ninguém me perturba. Eu tinha um celular e resolvi vendê-lo, porque vez por outra pessoas ficavam ligando, até mesmo a família ligava para coisas pequenas: trocar uma lâmpada, fazer isso e aquilo. Então, assim trabalho em paz", frisa.

Na cidade, no entanto, Escravo ainda acredita que o espaço para a arte que produz é pouco. "Acho que é preciso espaço para todos. Falta, por exemplo, um lugar para os artistas trabalharem ao ar livre, como vemos em outras cidades do País ou mesmo um mercado alternativo de arte, como o Mercado Modelo, em Salvador. Lá, a arte é feita na calçada, em todos os lugares e ainda existe uma associação dos artistas. Isso poderia ser feito aqui, sem dúvida nenhuma", salienta, frisando que a ideia atrairia os turistas, não apenas em períodos juninos como durante outros eventos. "Vou expor alguns trabalhos, dentro dos próximos dias, no Memorial da Resistência. São peças temáticas e creio que será interessante, porque pelo Memorial passam muitos turistas. Se tivéssemos um espaço dedicado à prática da arte ao ar livre naquele lugar, seria ainda melhor", diz.

Para ele, apesar das dificuldades na divulgação da sua arte, o que importa é que o trabalho "será visto por muitas pessoas durante os dias de Cidade Junina". "Faltam apoios, eu sei disso... mas temos que produzir com ou sem apoio. Isso é inevitável", fala.
 
  "Muitas pessoas começam a esculpir aleatoriamente, 
no entanto não têm disciplina, não praticam de forma diária 
e acabam por deixar a arte"
    fotografia: Ricardo Lopes
 
"A ARTE DA ESCULTURA É UM DOM"

Escravo da Arte acredita que esculpir está ligado ao dom. "Escultura é dom e um pouco de técnica", explica, enquanto mostra os trabalhos que estão por terminar. "Às vezes, muitas pessoas começam a esculpir aleatoriamente, no entanto não têm disciplina, não praticam de forma diária e acabam por deixar a arte. Além disso, creio que muitos não possuem o dom para a coisa", salienta.

Alguns, para o artista, têm o dom, mas lhes faltam recursos para comprar material e ferramentas. "Algumas ferramentas eu mesmo fabrico, porque as originais são um pouco caras... Quanto à madeira, sempre conseguimos comprar com pessoas que sabem onde se pode encontrar o produto. Esta, por exemplo, ainda estou devendo ao fornecedor", fala, e solta um sorriso largo. "Mas a conta não é tão cara. Com a venda de uma escultura, pagarei", frisa.

Escravo brinca com a situação. Faz uma graça e diz que teve sorte durante a vida porque sempre viveu com poucos recursos. "Com muito pouco, me conformo. Isto é uma coisa pela qual me alegro, pois poderia ter crescido com muito e hoje seria uma pessoa inconformada com determinadas situações", explica. 

EVOLUÇÃO CULTURAL

O artista acredita que a cidade, de uns anos para cá, tem evoluído no sentido cultural. "Mossoró hoje é uma cidade boa de ganhar dinheiro", analisa, perguntando à reportagem se vamos mesmo publicar suas observações. "Melhorou... antes, nós não tínhamos a Praça da Convivência nem o Memorial, que são dois importantes pontos para expor trabalhos. Também eventos como o Mossoró Cidade Junina. Isto traz um novo fôlego para quem produz e vive da arte, vendendo seus trabalhos em praças e logradouros com muito fluxo de pessoas", destaca.

Ele próprio diz que está "contando com a festa para terminar os outros trabalhos". "Estou empolgado com o evento... sempre fico por lá, à tarde e à noite, com minhas esculturas. Mas não se iluda", aponta para o fotógrafo e dispara: "Todo mundo pechincha, meu filho", diz, sorrindo.

Um dos objetivos de Escravo é, entre outras coisas, terminar a escultura quase em tamanho natural de Zumbi dos Palmares e outros trabalhos maiores, a fim de que estes sejam alugados para instituições. "Algumas peças são alugadas e com isso sempre entra um dinheirinho e esculpir é prazeroso. Não cansa", finaliza.

...fonte...
Cristiano Xavier

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