“É uma experiência. Uma experiência revolucionária”. Foi assim que o
jornal carioca Tribuna da Imprensa, em matéria datada de 1963,
classificou o método de alfabetização de adultos do educador
pernambucano Paulo Freire, posto em prática na cidade de Angicos, sertão
do Rio Grande do Norte.
Em 2013, comemora-se o aniversário de 50 anos da experiência de Angicos. No dia 2 de abril de 1963, ninguém menos que o então presidente da República, João Goulart, deposto um ano depois por um golpe militar, esteve na cidade para o encerramento das atividades dos Círculos de Cultura, acompanhado pelo governador à época, Aluízio Alves.
Desde então, Angicos se tornou um símbolo para todos os interessados em educação popular. Os objetivos essenciais da experiência se constituíam num verdadeiro desafio: fazer com que os participantes aprendessem a ler, escrever e viessem a se politizar em 40 horas. A proposta era de uma educação para a democracia e construção da cidadania efetiva.
O Governo do Estado decretou 2013 como o Ano Paulo Freire da Educação do Rio Grande do Norte. O decreto institui uma Comissão Executiva com a finalidade de cumprir algumas metas, entre elas, destacar a memória e a experiência na cidade de Angicos.
Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife em 1921, ficou órfão aos 13 anos e enfrentou uma infância difícil. Formou-se em Direito, mas nunca exerceu a profissão. Em 1960, desenvolveu um método “simples e revolucionário” de alfabetização para adultos. Durante o governo do presidente João Goulart, coordenou o Programa Nacional de Alfabetização, que tinha o objetivo de alfabetizar cinco milhões de pessoas. Em 2 de maio de 1997, aos 75 anos de idade, um infarto silencia o educador e sua morte foi lamentada em todos os continentes.
Alunos da primeira turma de alfabetização de Angicos/RN,
reunidos para receber certificados
Fotografia: Divulgação
reunidos para receber certificados
Fotografia: Divulgação
ANGICOS
AS 40 HORAS QUE MUDARAM VIDAS
Por
Cledivânia Pereira
Secretária de Redação
Tribuna do Norte
Das 380 palavras usadas pelos moradores do município de Angicos
localizado a 194 km de Natal em 1963, FELICIDADE não foi identificada
pelo grupo de educadores que implantaram na época o método de
alfabetização 40 Horas de Angicos, pensado e implementado pelo
educador Paulo Freire. Nas palavras usadas no dia a dia das 300 pessoas
que se matricularam na primeira turma da experiência, DEUS, PROMESSA,
ESMOLA, CHUVA, BRANCO, PRETO, TRISTE, ALVOROÇO, MEDO, CORAGEM,
CONFORMAÇÃO e INVERNO eram algumas das que se destacavam. Esse universo
restrito de formação ortográfica (assim como a falta de outras, como
FELICIDADE) podem construir, ainda hoje com uma distância de exatos 50
anos o cenário social, cultural e religioso do grupo que conseguiu
decodificar, após as 40 horas de estudo, muitas das palavras que
verbalizava no cotidiano.
Paulo Freire (esq.) explica o projeto em solenidade de entrega
dos diplomas no dia 2 de abril de 1963
Fotografia: Divulgação
OUSADIA
ALFABETIZAR MUITOS EM POUCO TEMPO
Pensado e estruturado pelo educador pernambucano Paulo Freire, o método de alfabetização testado em Angicos tinha um objetivo ousado: alfabetizar adultos de forma rápida e barata. E o primeiro passo era o de catalogar as palavras usadas pelo grupo de alunos, pois essas embasariam as aulas. Nesta terça-feira, dia 2 de abril de 2013, a entrega dos diplomas de alfabetização dessa primeira turma completa meio século.
A comemoração da data será bem mais singela que o evento montado no dia
da formatura 2 de abril de 1963. Na solenidade estavam presentes o
presidente da República, João Goulart, o governador do RN Aluízio Alves,
o secretário estadual de Educação, Calazans Fernandes, ministros de
Estado, governadores do Nordeste, os 12 monitores do projeto entre os
quais o advogado Marcos Guerra , os 300 alunos e suas famílias.
A EDUCAÇÃO, A META - ANGICOS, O FOCO
No
grupo das autoridades uma presença chamava a atenção. Fardado, lá
estava o general Castelo Branco, que um ano após aquela aula de
conclusão de curso assumiu a presidência da República com o golpe
militar de 1964. Ele não fez pronunciamento público no encontro, mas
disse a Calazans Fernandes que o projeto estava engordando cascaveis.
Um ano depois, um dos atos de Castelo Branco após sua posse foi o de
desarticular o grupo do educador Paulo Freire, que foi preso e exilado. O
advogado Marcos Guerra, coordenador do projeto de Angicos, também foi
preso e exilado.
Com a prisão dos educadores e a desarticulação do grupo, o projeto foi
impedido de ser expandido no Brasil e as primeiras experiências do RN
foram extintas.
Nesses últimos 50 anos a experiência de Angicos foi base de alguns estudos acadêmicos, citados milhares de vezes nas cadeiras de Educação nas universidades pelo mundo, tida como referência por, pelo menos, 50 países, mas não houve, até agora, uma releitura ou apropriação do método para a implementação em grande escala como era o objetivo da época. O projeto é atual, precisa ser revisitado e atualizado. Mas está lá, pronto. Porque Paulo Freire não preparou um método de alfabetização. E sim um método de aprendizagem. De como conhecer. E isso não mudou, avalia Marcos Guerra.
Antônio Silva estava entre os 300 aprovados pelo projeto
Fotografia: Arquivo Tribuna do Norte
ESTUDO
Em 2002, a educadora Nilcéa Lemos Pelandré analisou os efeitos a longo prazo do método de alfabetização. Após entrevistar alunos que se alfabetizaram em 1963, a estudiosa descreveu que os participantes aprenderam a escrever palavras isoladas e frases simples e curtas. A aprendizagem mais significativa, sendo a pesquisadora, foi a elevação da autoestima e a consciência de não se sentirem mais excluídos do mundo letrado.
ESPERANÇA estava entre as palavras catalogadas pelos coordenadores do curso de alfabetização em Angicos. ESPERANÇA de dias melhores, ESPERANÇA de entender melhor o mundo, como bem sintetizou o aluno Antônio Silva, à época com 51 anos, que falou em nome da turma às autoridades presentes: Temos muita necessidade das coisas que nós não sabia, e que hoje estamos sabendo. Em outra hora, nós era massa, hoje já não somos mais, estamos sendo povo.
Presidente dos EUA, John Kennedy, esteve com Calazans Fernandes,
Secretário de Educação do Rio Grande do Norte, 1962
Fotografia: Arquivo Tribuna do Norte
ANGICOS VIROU EXEMPLO MUNDIAL
Até ser extinto, em 1964, o projeto 40 Horas de Angicos ganhou
repercussão nacional e internacional. No dia 2 de julho de 1963, o
jornal New York Times apresentou o sucesso do projeto ao mundo. Depois
disso, os holofotes da imprensa internacional foram voltados para a
pequena Angicos que, à época, tinha pouco mais de 9 mil moradores, dos
quais 75% moravam na zona rural. Nessa época, pelo levantamento da
equipe de Paulo Freire, 75% da população era analfabeta. Para Angicos se
deslocaram representantes de outros jornais, tais como: Time Magazine,
Herald Tribune, Sunday Times, United e Associated Press e Le Monde.
Registro
de um círculo de cultura no Gama/DF (1963)
com a presença de Paulo Freire, onde um alfabetizando
carregando o filho,verbaliza e mostra sua descoberta - TU JÁ LÊ -
no uso dos "pedaços" (sílabas) da palavra TIJOLO.
Fotografia: Divulgação
com a presença de Paulo Freire, onde um alfabetizando
carregando o filho,verbaliza e mostra sua descoberta - TU JÁ LÊ -
no uso dos "pedaços" (sílabas) da palavra TIJOLO.
Fotografia: Divulgação
PROJETO SERIA DIFUNDIDO EM TODO O PAÍS
Após a turma de Angicos, o projeto foi expandido para outras cidades do RN (Natal-Quintas, Mossoró, Caicó e Macau) e de outros Estados do país: Ubatuba (SP), Osasco (SP), Rio de Janeiro, Brasília, Aracaju (SE) e Porto Alegre (RS).
Em janeiro de 1964, um decreto federal instituiu o Programa Nacional de Alfabetização consagrando o Sistema Paulo Freire para alfabetização em tempo rápido. O programa previa a criação de 60.870 círculos de cultura, para alfabetizar, em 1964, 1.834.200 analfabetos. Nesse mesmo mês, o MEC designa o educador pernambucano para a Comissão Especial do Programa.
Mas a experiência exitosa de Angicos não conseguiu ser nacionalizada. No
dia 14 de abril de 1964, apenas 13 dias após o Golpe de Estado, o
Decreto nº 53.886, de 14 de abril de 1964, extingue o Programa Nacional.
Dois meses depois, em 16 de junho, Paulo Freire foi preso, acusado de
subversivo e ignorante. Marcos Guerra lembra que já no dia 2 de abril
um dia após o Golpe, a sede do projeto no RN foi totalmente
desarticulada pelos militares. Marcos Guerra também foi preso e
exilado. Mas eu faria tudo novamente. Fui preso algumas vezes, pois
conseguia habeas corpus para sair da prisão... essa tentativa de sair da
cadeia eu não repetiria mais hoje... a minha família sofreu muito com
isso... se fosse hoje, eu teria saído para o exílio com maior rapidez.
Mas, no mais, teria feito tudo novamente.
...fonte...
Assessoria Mandato Mineiro
www.mineiropt.com.br
Cledivânia Pereira
Secretária de Redação
www.tribunadonorte.com.br
Assessoria Mandato Mineiro
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Cledivânia Pereira
Secretária de Redação
www.tribunadonorte.com.br
“Alfabetizar-se não é aprender a repetir palavras,
mas a viver a sua palavra, criadora de cultura.”
Paulo Freire
mas a viver a sua palavra, criadora de cultura.”
Paulo Freire
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Os direitos autorais são protegidos pela Lei n° 9.610/98, violá-los é crime!
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