Fundada
em 25 de dezembro, Natal, a capital potiguar, chega aos 419 anos
O
blog Potiguarte homenageia Natal com crônica de Ivan Lira de Carvalho
Uma
autêntica declaração de amor para a Capital do Sol
Fotografia:
Canindé Soares
...
edição especial ...
NATAL:
ATÉ O NOME É SAGRADO
Por
Ivan
Lira de Carvalho
O que dizer de uma terra em
que as manifestações culturais brotam espontaneamente do povo, que a
hospitalidade é o cartão de visita dessa gente e o ar é considerado o mais puro
das Américas? Conheça alguns dos caminhos que devem ser trilhados na, nada
mais, nada menos, terra conhecida como Cidade do Sol. “O ar puro invade os
pulmões, fornecendo o elemento vital para a purificação do corpo e para o
enlevo da alma. A manhã se abre devagar, preguiçosa, mas radiante em
perspectiva. Os raios de sol se atrevem a beijar as faces dos eleitos, de forma
delicada e gradual, transpondo, em frestas, as monumentais ubaias-doces que guarnecem
o trajeto. Os passos do caminhante tomam ritmo crescente, em paralelo com o
dia. O percurso é vencido de forma prazerosa, num sensual abraço da vida com… a
vida, estampada na relva orvalhada que orienta a trilha; no chilrear dos sabiás
espevitados; no curvar reverente dos bambus, em mesuras botânicas e senhoriais.
A brisa desce em lufadas, vinda dos morros, na cadência necessária para
amalgamar-se à temperatura ordenada pelo astrorei, tornando – e mantendo – a
amenidade do ambiente. A investigação intuitiva do visitante, voltada aos
insetos que habitam o lugar, comandados pela tocandira (formiga grandona, coisa
de duas polegadas), finda por demonstrar a harmonia entre bichos e homens. Tudo
é paz.”
A descrição acima pode ser
aplicada a inúmeros lugares do Planeta. Mas onde ela cabe melhor é em Natal, no
Bosque dos Namorados, porção do Parque das Dunas, uma das mais importantes
reservas do ecossistema dunar do Brasil, que se arrasta desde a beira-mar, Via
Costeira, até entregar-se às plagas do Tirol e de Capim Macio. Excelente
programa para um amanhecer harmônico consigo mesmo e com as forças da criação.
Mas, se o freguês é
essencialmente de praia, não ficamos em débito. Limpe os olhos com as águas e
com a salinidade moderada de Mãe Luiza, Barreira Roxa, Barreira D’Água e Ponta
Negra. Respire fundo. Enfie os pés nas areias fofas que é oferta da casa. Nuns pontos,
os grânulos são maiores e noutros pequeninos, igualmente macios. Avance até a
enseada que se posta com vontade de enlaçá-lo com lentidão e manha. Não tenha
pressa também. Usufrua cada segundo da caminhada no rumo do Morro do Careca.
Distração só aceite das jangadas toscas que bordejam o lugar, indo para os
mistérios oceânicos ou já quedadas pelo enfado da jornada do antanho. Os
arrastões também merecem uma parada. Veja como cintilam os caícos e as gingas,
peixes miúdos, que se desprendem das redes para fazer a festa das frigideiras
pouco mais tarde, em dobradinha com tapioca de goma fresca. No sopé da grande
duna, faça uma reverência ao modo praiano: admire-a, dê um volteio e… tchibum,
mergulhe na água morna que está ali ao seu dispor, criada e reservada para a
sua deleitação.
E se o camarada gosta mesmo
é de história e de cultura? Então, vá para outro lado da orla. Espie o Farol de
Mãe Luiza, inaugurado em 1951, e siga pelas praias de Areia Preta, do Meio e do
Forte, pois nessa última está a Fortaleza dos Reis Magos, cuja construção
começou em 1598, no dia 6 de janeiro, que é consagrado a Gaspar, Baltazar e
Belchior, os presenteiros de ouro, incenso e mirra ao Menino Deus. Anote aí que
no ano seguinte, a 25 de dezembro, aniversário do rapazinho aqui referido, foi
criada a cidade (que não foi sítio, vila, distrito… foi logo cidade), por um
decreto reinol. Por quem? A peleja histórica está entre Mascarenhas Homem e
Jerônimo de Albuquerque. Se quiser saber mais, leia Diógenes da Cunha Lima (1),
Manoel Onofre Júnior (2) e Olavo Medeiros Filho (3). Na volta, lance olhos para
a Ponte Newton Navarro (um poeta-pintor-escritor que viveu e morreu de boemia e
de amor à sua terra), arrojada tecedura da engenharia e da arquitetura,
inaugurada em 2007, cruzando o Rio Potengi na sua foz, de Santos Reis à
Redinha.
Para que se tenha uma
razoável ciência sobre a nossa cidade, é interessante uma subidinha ao atual
Centro de Turismo, topo da colina de Petrópolis, que já foi albergue, hospital
e presídio. Além de poder comprar o artesanato potiguar mais representativo,
leva de quebra um visual inesquecível, tanto das praias como da quase
totalidade dos bairros margeados pelo rio e pelas dunas.
Aproveite que dá tempo para
uma volta pela Ribeira, bairro histórico, boêmio e sede de parte do comércio
grossista. Portuário. Numa rua que tinha o sugestivo nome de “das Virgens”,
nasceu Câmara Cascudo (1898-1986), expressão maior das nossas letras, etnólogo,
professor, advogado, jornalista, folclorista… o escambau! Em adulto foi morador
do bairro até o fim da vida, em um belo casarão que pode ser contemplado em
salteios com outros exemplares igualmente exuberantes: o Teatro Alberto
Maranhão, a antiga Faculdade de Direito, o Museu do Folclore, a sede da
Imprensa Oficial, a Capitania das Artes, o Solar Bela Vista e a sede da Ordem
dos Advogados do Brasil.
Já na Cidade Alta, sinta-se
no primeiro quadrilátero urbano de Natal. Ali, na data da criação, foi
celebrada missa em uma capelinha de palha de coqueiro, no chão onde
posteriormente foi erguida a Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, a
padroeira. Entre, está bem restaurada e conservada. Na vizinhança, o Instituto
Histórico e Geográfico, guardião das nossas memórias, instalado em 1902, em
cuja entrada está o marco português da posse do Brasil, que, em 1501, foi
chantado na Praia de Touros por Gaspar de Lemos. É, entre nós, o “documento”
mais antigo do domínio lusitano sobre a terra brasilis. Mais alguns passos e
estará no Palácio da Cultura, antiga sede da governadoria do estado, atualmente
abrigando a pinacoteca oficial e destinado a atividades artístico-culturais. No
square em frente, encontrará também a Prefeitura Municipal (de 1922) e as sedes
do Tribunal de Justiça e da Assembléia Legislativa, de estilo contemporâneo.
Ainda nas cercanias, visite o Memorial Câmara Cascudo, edifício de 1722, com
feições neoclássicas, que já foi cadeia, Senado Estadual, Tesouro e Quartel
General do Exército. Tem muito dos objetos e da obra do venerado escritor.
De museu tem o do
Sobradinho, na Rua da Conceição, com acervo pessoal de Café Filho, o único
potiguar a ocupar a presidência da República. Na mesma linha de rua, já sob a
invocação de Santo Antônio, tem a igreja dedicada a esse santo, anexa ao
convento franciscano. Estilo colonial do século XVII, com belíssimos entalhes
em rococó, é chamada Igreja do Galo, por ter a torre-mor encimada por um
cacarejante de Barcelos.
Quer ver o povão solto na
buraqueira, nas suas falas, costumes, olores e visões? Vá ao Alecrim, que tem
feira-livre e mercado de rua com camelôs estridentes e linhas de ônibus vindas
dos quatro cantos da urbe, trazendo operários, comerciantes, vendedores, donas
de casa e outras patentes, em busca de artigos em preços módicos ou pelo
simples prazer do furdunço. Embebede-se com o cheiro dos cajus vermelhos
disputando com os amarelos a melhor posição na bacia bem areada, no brilho.
Encante-se com o grito dos vendedores de caranguejo, em pregão convicto de quem
oferece o melhor, mesmo que não seja…
Mas, se aprecia coisa mais
refinada, estique a um dos bons shoppings, onde, no dizer do populacho, “tem de
um tudo”, com relevo para as boas livrarias. Verá outra face da cidade; nem
melhor e nem pior. Diferente, apenas.
Hora de pensar em comer bem.
Jogue dados, aposte no “par-ou-ímpar”, dispute palitinho, ou faça fé no
“bem-me-quer-mal-me-quer” entre Petrópolis/Tirol e Ponta Negra. Páreo duro. No
primeiro conjunto, assentado na área do Plano Palumbo, estão os restaurantes da
gastronomia mais premiada. O Plano Palumbo é referência ao arquiteto
greco-italiano responsável pelo projeto de urbanização da área, em 1929,
consistente em um xadrez de ruas com os nomes dos rios do estado, cortadas por
avenidas com os nomes dos presidentes da República, pela ordem dos mandatos, de
Deodoro a Hermes da Fonseca. Já no bairro praiano, estão situados os mais
recomendáveis especialistas em frutos do mar, com destaque para os camarões e
as lagostas, passíveis de fazer a água da boca escorrer até encontrar-se com a
do mar. Na noite, inverta o programa do meio-dia e nenhum arrependimento terá,
inclusive porque em ambos os trechos existem excelentes barezinhos para uma
esticada decente.
Claro que há muito mais a
ser dito de Natal. Que é o ponto mais próximo entre o Brasil, Europa; e a
África; que tem o ar mais puro das Américas, segundo pesquisa realizada pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), sob encomenda da Nasa; que
tem as mais fiéis torcidas futebolísticas que se possa imaginar, mesmo que os
principais times não correspondam a essa devoção; que a musicalidade dos
artistas e compositores é cativante; que a hospitalidade é de primeira, etc.
Entretanto, seria frustrar a capacidade criativa do visitante, que ao fim do
périplo sentir-se-á habilitado a discorrer sobre a Cidade-Presépio com tanta propriedade
como se aqui mesmo tivesse nascido e sempre vivido. Coisas que só acontecem
mesmo em uma cidade que tem um nome desses…
...fonte...
Ivan
Lira de Carvalho
Juiz
Federal em Natal/RN
Revista
de Cultura AJUFE - nº 6 - Ano III
...REFERÊNCIAS...
1
LIMA, Diógenes da Cunha.
Natal:biografia
de uma cidade. Rio de Janeiro: Lidador, 1999.
2
ONOFRE JÚNIOR, Manoel.
O
diabo na guerra holandesa e outros escritos. Natal: Nossa editora, 1990.
3
MEDEIROS FILHO, Olavo.
Terra
Natalense. Natal: Fundação José Augusto, 1991.
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