outubro 27, 2013

FALVES SILVA: O OPERÁRIO DAS ARTES

FALVES SILVA
Ultrapassando a marca dos 70 anos, o artista divide-se 
entre atividades de arte e literatura: ilustrações para livros
 e trabalhos na gráfica do Sebo Vermelho
Fotografia: Divulgação

FALVES
70 ANOS NA VANGUARDA

Por
Yuno Silva
TRIBUNA DO NORTE

“Sou operário da arte, um artista economicamente inviável para os parâmetros do sistema”, disparou o artista visual Falves Silva, sem perder a concentração no repetitivo trabalho de intercalar as páginas de um novo livro impresso na gráfica da editora Sebo Vermelho. Cercado por pilhas de papéis e no ritmo de uma antiga impressora offset, Falves vive a expectativa de ultrapassar a fronteira dos 70 anos (27/10),  com direito a exposições simultâneas na galeria da Fundação Capitania das Artes e do IFRN-Cidade Alta – respectivamente a retrospectiva “Cápsula da Memória” (31/10) e a “Sinais” (1º/11).

Figura importante para se compreender o contexto poético-visual da vanguarda brasileira, que ajudou a sacudir os alicerces da palavra nos anos sessenta ao participar ativamente da criação e disseminação do Poema/Processo, para logo em seguida se entrincheirar na arte postal, Falves abriu uma brecha no expediente para conversar com a reportagem do VIVER sobre um pouco de tudo: o primeiro contato com os quadrinhos, a participação na fundação do Cineclube Tirol, a repercussão internacional de seus trabalhos e o silêncio de muitos estudiosos sobre o “único movimento artístico criado em Natal” até agora – justamente o Poema/Processo, que eclodiu em 1967 simultaneamente em Natal e no Rio de Janeiro como uma espécie de dissidência da poesia concreta.

“As pessoas que circulam no cenário de artes visuais podem até dizer que conhecem Falves Silva, mas a cidade não faz ideia de sua verdadeira importância. Ele ultrapassou as fronteiras do RN e do Brasil há muito tempo, estava na crista da onda quando a arte brasileira estava se internacionalizando”, avaliou Sânzia Pinheiro, curadora das exposições ainda em construção. “Ele tem um acervo incrível e se as instituições públicas locais não tiverem atenção, esse material vai sair daqui de Natal e isso não vai demorar muito”, avisa Sânzia.

QUADRINHOS E CINEMA

Nascido em Cacimba de Dentro, Paraíba, ancorou em Natal ainda na infância. Autodidata, concluiu apenas o primeiro grau, pois, na época, não pensava em fazer faculdade. “Naquele tempo Natal só tinha, basicamente, os cursos de Medicina e Direito, e como já trabalhava e meu interesse era arte, nem me preocupei”.

Fascinado por quadrinhos, aos seis anos já rabiscava personagens que lia na “O Guri”, revistinha publicada pela (revista) O Cruzeiro, e os personagens Capitão América, Buck Rogers, Homem-Morcego (Batman), entre outros, até hoje servem de subsídios para seus trabalhos.

No ramo gráfico desde os 15 anos, trabalhava na Tipografia Galhardo, Ribeira, que funcionava no térreo da boate Arpege, fato que facilitou seu contato com os livros. “Comecei a estudar na base do autodidatismo, com leitura desordenada, até conhecer Edgar Alan Poe. A partir daí passei a selecionar mais minhas leitura”.

Na década de 1960, envolvido com a JOC (Juventude Operária Católica), foi convidado pelo Padre Barbosa, pároco da Igreja Santa Terezinha, para integrar um grupo de jovens interessados em cinema: “Em 1961 fundamos o Cineclube Tirol; eu, Juliano Siqueira, Moacy Cirne, Franklin Capistrano, Hermano Paiva, Marcos Silva... era uma turma curiosa. Quadrinhos e cinema são as principais influências do meu trabalho”.

ARTE ERÓTICA

A primeira exposição individual veio em 1966, na galeria que funcionava na Praça André de Albuquerque, dentro do projeto cultural do então prefeito Agnelo Alves. “Quando fiz um curso de desenho por correspondência, no Instituo Monitor, fiquei sabendo que artista podia mudar de nome. Lembrei que um artista no Ceará chamava Chico da Silva, Chico Alves era o cantor, então virei Falves Silva na minha primeira exposição”. Chancelada por Ney Leandro de Castro e Dailor Varela, a exposição, prevista para ficar um mês em cartaz, foi encerrada em uma semana: “Acharam que minhas colagens serviam como estímulo sexual para os estudantes. Tinha algo de erótico, mas nada de sacanagem, era coisa mais simples, sem muito alarde. Mas naquele tempo ditadura Militar e bem em frente a igreja católica... era de se esperar”.

Na retrospectiva “Cápsula da Memória”, na Funcarte, Falves Silva reúne reprodução do catálogo, o convite da exposição e a foto da galeria. “Consegui recuperar a duras penas algumas cópias daqueles trabalhos. No início produzia e dava aos amigos, muita coisa se perdeu. Só a partir de 1970 que comecei a guardar”.

Em 1971 nova censura: Falves precisou retirar dois trabalhos, uma colagem com a famosa foto de Jonh Lennon e Yoko Ono nus de costas, e “outra com Jimi Hendrix fumando um baseado” para poder passar no crivo do reitor. “Era época do psicodelismo e trabalhava sintonizado com o que estava rolando”, justifica.

O POEMA CONCRETO, DE FALVES SILVA
Obras farão parte de duas exposições em cartaz na Funcarte e no IFRN
(Reprodução)

POEMA/PROCESSO

Logo após a primeira exposição, Moacy Cirne trouxe do Rio de Janeiro uma revista (“Invenção”) falando sobre poesia concreta. “Essa revista, influenciou muito a gente: eu, Dailor (Varela), Anchieta (Fernandes), Alexis Gurgel, Marcos Silva. Éramos uma equipe, e no ano seguinte Moacy traz os livros (“A Ave” e “Solida) sobre o Poema/Processo de Wlademir Dias-Pino. Nisso formamos grupos aqui em Natal e no Rio com esse intercâmbio de Moacy”, explicou.

Em dezembro de 1967 entra em cartaz a primeira exposição do Poema/Processo, simultaneamente em Natal e no Rio; e dois anos depois o movimento chega a Argentina, através artistas como o uruguaio Clemente Padin, que virá a Natal fazer palestra durante a exposição na Capitania.

Falves afirma que “tem um grupo aqui em Natal que nunca gostou do movimento. Muitos estudiosos e acadêmicos simplesmente ignoram o Poema/Processo, silenciam, passam por cima. No entanto temos dissertação de Mestrado, teses de Doutorado aqui na UFRN sobre o tema, presença em publicações internacionais, que nenhum outro escritor do RN tem”.

O artista publicou vários livros, e o primeiro, de 1982, “Elementos da Semiótica”, foi elogiado por Boris Schnaiderman, tradutor de Maiakovski e Dostoiévski. “Ele não ia elogiar esse livro de bobeira”, orgulha-se.

A partir de 1974 entra de cabeça na arte correio. “Foi quando desbundei mesmo: digo que sou o artista do RN que mais participou de exposições internacionais”. Até hoje continua recebendo e enviando cartas, mas com menos frequencia devido “o lance da internet”: “Particularmente não aderi a internet por falta de tempo. Trabalho bastante e depois vou tomar cerveja, quando vou ter tempo?”, diverte-se.

Em julho deste ano Falves e artistas postais de outras partes do Brasil protagonizaram o programa piloto do projeto Brasil Visual,  série documental inédita formatada em 26 episódios sobre o universo das artes visuais brasileiras que será exibida (a partir de agosto de 2014) na TV Brasil.


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