novembro 09, 2011

O PRÍNCIPE DO TIROL E O TURISTA APRENDIZ

 Câmara Cascudo e Mário de Andrade – Cartas, 1924-1944

CARTAS DE UMA AMIZADE SINCERA

Por
Sérgio Vilar

A visita de Mário de Andrade a Natal 83 anos atrás ainda rende notícia. E prêmios. Especificamente, a troca de correspondências dele com o colega folclorista Câmara Cascudo durante 20 anos. Essa amizade epistolográfica foi pesquisada e registrada no livro Câmara Cascudo e Mário de Andrade - Cartas, 1924-1944, pela Editora Global. A obra venceu  o 53º Prêmio Jabuti na categoria Teoria e Crítica Literária, anunciado no mês passado, 17/10.

A última etapa do prêmio - o mais prestigiado da literatura nacional - acontece no dia 30 de novembro, durante a cerimônia de premiação dos vencedores das 29 categorias. Na oportunidade, serão conhecidos os vencedores dos dois prêmios máximos do Jabuti: os livros do ano nas categorias Ficção e Não Ficção. E obra do professor da USP Marcos Antônio de Moraes, concorre novamente nesta última com boas chances de vitória.

O contexto das cartas teve início em 1927, quando o paulista Mário de Andrade aportou na Belle Époque natalense. Governos de Juvenal Lamartine e do prefeito Omar O'Grady. E uma cidade governada também pela intelectualidade comandada pelo principado do Tirol, cuja figura de Cascudo era a mais expressiva. E foi com ele que o autor de Macunaíma viria a travar uma amizade produtiva e lembrada até hoje.

O regresso de Mário de Andrade a São Paulo, depois de semanas de pesquisa em Natal e outros 14 municípios potiguares, parece ter deixado um vazio na cidade e em Cascudo. Praticamente todas as cartas endereçadas ao folclorista continham o pedido de nova visita, sob a justificativa de Mário do "mar de trabalho" e compromissos variados que nunca o deixaram voltar a Natal.

Pesquisador  Marcos Antonio de Moraes e a obra

ORGANIZADOR

Marcos Antonio de Moraes é o responsável pela compilação de toda a epistolografia de Mário de Andrade, reunida no Instituto de Estudos Brasileiros, e também assina a organização da recém-lançada correspondência entre Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade. O professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros, esse trabalho é resultado da tese de doutorado sobre a epistolografia do escritor modernista - chegou a visitar Natal e conhecer os lugares mencionados nas cartas para redigir notas explicativas das 65 cartas do paulista e das 94 do potiguar.

Ainda assim, a neta de Cascudo e atual coordenadora do Memorial Câmara Cascudo, Daliana Cascudo, comemorou o resultado da premiação. "De certo os dois estão muito felizes de onde estão. É o resultado de 20 anos de amizade", disse. E atestada em carta, disse Mário: "Quando aí for, na casa em que vocês estejam é que irei pedir hospedagem (...) e sempre será quarto de rei pra mim, bem acomodado na amizade de vocês".

O professor aposentado pela UFRN, jornalista e escritor Tarcísio Gurgel, estudioso da obra e das cartas cascudianas endereçadas a Mário de Andrade e autor do livro Belle Éporque na Esquina, ratifica a importância do livro e do autor premiado: "A obra traz um levantamento rateado, mas contém importante material de pesquisa porque Marcos Antônio de Moraes é um pesquisador sério".

Em trabalho anterior, diz Tarcísio, o autor registrou a troca de cartas, cartões e postais de Mário de Andrade com amigos e colegas no período de 1925 a 1929, da viagem ao Nordeste, também com registros da passagem por Natal. Em uma das correspondências, o crítico de arte Antônio Bento lhe fala da expectativa de sua chegada e, no verso do cartão, foto da Cidade Alta. Ao fundo, imagem das dunas gigantes do que viria a ser o Tirol.

Uma terceira carta, aponta Tarcísio Gurgel, é mais significativa. É do futuro colega de Departamento de Cultura, Rubens Borba de Morais, vinda de Paris. A carta denota o entusiasmo de Mário de Andrade pelas coisas de Natal, e critica: "Tenha paciência, isto aqui é melhor que o Rio Grande do Norte", acompanhada de estampa do imponente L'Arc de Triomphe de L'Etoile.

Mas difícil trocar a imponência de um monumento pela vivência do folclorista no Estado potiguar. Por aqui Mário de Andrade conheceu a Redinha, as frutas regionais, religiões, autos natalinos, os causos, a modinha, as salinas, as danças, a poesia modernista e o famoso encontro com o embolador de côco Chico Antônio, no engenho de Antônio Bento. Não à toa, confidenciou ao amigo Drummond: "Ah, seu Carlos, que viajão!".

O autor de Macunaíma e uma amizade produtiva com Cascudo

CARTAS DE BRASILIDADE

Por
Maria Betânia Monteiro

Câmara Cascudo costurou sua obra com as linhas do folclore, da história, das bibliotecas, dos livros. O fio de Mário de Andrade era outro (não muito diferente): o do romance, da poesia, da arte. Com recortes e estampas particulares criaram tecidos únicos e afins: tinham exclusivamente as cores do Brasil. Apesar da distância territorial existente entre os dois, um no Rio Grande do Norte, outro em São Paulo, trocavam ideias constantemente. O veículo do diálogo foram as cartas (escritas entre 1924 e 1944).

"Câmara Cascudo e Mário de Andrade" é uma edição da Global, organizada pelo pesquisador Marcos Antonio de Moraes. O livro trata da correspondência de dois escritores conscientes de sua brasilidade. Mário de Andrade dizia a Luís da Câmara Cascudo, que ambos deveriam dar uma alma ao Brasil. Cascudo, em toda a sua trajetória de pesquisador e escritor, procurou cumprir esta meta.

Os manuscritos das correspondências de Mário de Andrade (65 mensagens) e de Luís da Câmara Cascudo (94 mensagens) estavam conservados no Ludovicus e no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Sâo Paulo (IEB-USP). 


Câmara Cascudo e Mário de Andrade na década de 20 no RN  

As cartas trocadas pelos dois amigos são documentos de fundamental importância. Elas têm, entre outras virtudes, o de ser uma das fontes de duas décadas da história literária do país e, talvez, a primeira ligação intelectual entre o Sudeste e o Nordeste. Mário apresenta Cascudo aos grandes intelectuais do sudeste, e é apresentado por este aos valores nordestinos.

Câmara Cascudo dizia a Mário de Andrade que era preciso registrar a verdadeira identidade do Brasil. Nessas correspondências de duas décadas, eles pretenderam tornar ainda mais nítido o relevo de suas obras. Desde 1922, ano em que foi publicada a obra "Pauliceia desvairada", Mário de Andrade se propôs a renovar a literatura brasileira, afastando a artificial influência europeia.

A amizade dos dois tinha bases muito sólidas. Em carta a Manuel Bandeira, de 19 de março de 1926, Mário descreve o perfil do novo amigo: "Vou na Bahia, Recife e Rio Grande do Norte onde vive um amigo de coração que no entanto nunca vi pessoalmente, o Luís da Câmara Cascudo, é um temperamento estupendo e sujeito de inteligência vivíssima e ainda por cima um coração de ouro brasileiro. Gosto dele".

 O PRIMOR DAS MISSIVAS

A correspondência entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade é também um exemplo da época da frase bem torneada, da adjetivação precisa, da ênfase na exata medida do pensamento. Cascudo e Mário foram duas figuras tão notáveis, que a veiculação de sua correspondência marca um esplêndido momento da história cultural brasileira, sendo matéria permanente para reflexão dos que se preocupam com o país. 


...fontes...
 Sérgio Vilar
sergiovilar.rn@dabr.com.br  
Maria Betânia Monteiro
www.tribunadonorte.com.br

 ...veja...
Documentário - Tela Brasil
Luís da Câmara Cascudo
www.senado.gov.br


"A obsessão de papai era trazer Mário de Andrade para observar o sertão e o nordeste,
mesmo sabendo que Mário não gostava de regionalismos. Papai conseguiu."
Ana Maria Cascudo

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