outubro 02, 2012

O PESCADOR DE INSPIRAÇÃO

 AÉCIO EMERENCIANO
CAJUS, PEIXES E TONS FORTES PREDOMINAM NOS PAINÉIS DO ARTISTA PLÁSTICO
AO LONGO DE 53 ANOS DEDICADOS À ARTE, SÃO QUASE 200 OBRAS
 ...E UM ÚNICO DESEJO: CONTINUAR PINTANDO

PESCADOR DE INSPIRAÇÃO

Por
Nadjara Martins para o Novo Jornal

O PINTOR AÉCIO Emerenciano é, sobretudo, um sonhador. Do primeiro andar do seu ateliê, em Muriú, o cearamirinense observa o mar quase todas as manhãs. Nos últimos 53 anos, foi de lá que pescou a inspiração que povoa seus painéis: peixes, cajus e ramos - verdes,  vermelhos, amarelos ou da cor que mais lhe convier. 

“Eu paro para ver os peixes e os cajueiros da praia. Lá (em Muriú) eu estou comprometido com o mar, estou mais livre. Minha pintura expressa a praia”, defi niu o artista.  A maioria dos potiguares já teve oportunidade de admirar uma das obras de Emerenciano. Os grandes painéis chamam a atenção na paisagem urbana natalense, por suas combinações excêntricas e arranjos de cores, de traços simples e líricos. Tropicais.

Ele é autor do maior painel artístico do Rio Grande do Norte, “A fruteira do Nordeste”, que adorna a fachada externa da antiga fábrica Sams, na Salgado Filho. Além disso, sua arte também pode ser vista no saguão de entrada do Aeroporto Augusto Severo, na obra que compôs com Dorian Gray Caldas; em painéis expostos no Parque das Dunas, na Governadoria e na Assembleia Legislativa.

Outras tantas já caíram, por  força e em prol de uma suposta suposta “modernidade”, como os painéis  que adornavam o Ginásio de Ceará-Mirím e o América Futebol Clube. 

Um dos símbolos mais presentes nas obras de Emerenciano é uma fi gura típica do Nordeste: o cajú. O advogado e amigo do artista, Odilon Ribeiro Coutinho, afi rmava que era uma  obsessão inconsciente” e uma característica do pintor. Já Emerenciano atribui à infância.

“Essa minha obsessão por cajus e cores é por causa de Muriú, mas acho que parte também  eio da infância. Achei fácil, contornei a sombra. Comecei a desenhar, a pintar com aquarela... foi algo que sempre esteve presente”, explicou.  

Ainda pequeno, observava as pinturas que a mãe fazia em panos, nas tardes de Ceará Mirim. Na escola, era fascinado com as coleções, os lápis, os desenhos. Cedo começou a se destacar nas aulas de desenho geométrico, fazendo o trabalho dos colegas em troca de  ajuda  nas outras disciplinas.

No ensino científico (Ensino Médio), cursado no Atheneu Norte- rio-grandense, começou a ser incentivado por professores e colegas de classe a mostrar trabalhos em exposições coletivas. Resistiu. A decisão de expor os trabalhos só veio no final da década de 1950, já casado,  enquanto cursava a faculdade de direito em Maceió.

Seu sonho, na verdade, era cursar  medicina ou arquitetura mas, por decisão do pai, que na época  era procurador do estado, foi estudar na capital alagoana. Quando esteve na cidade, teve a oportunidade de conhecer e ser retratado em pintura pelo artista Mário Hélio Neto de Gouveia, que lhe incentivou a pintar.

Seus primeiros desenhos, sempre de traço simples e um tanto rústico, eram comparados ao pintor catalense Joan Miró e ao modernista Mondrian. Por insistência dos amigos, cedeu. Participou da primeira exposição coletiva em 1962, com 20 novos pintores da cena cultural potiguar, como Iaperi Araújo e Mancha.

O tema foi a Igreja de Santo Antônio, ou Igreja do Galo. Emerenciano foi um dos pintores mais cumprimentados pelo trabalho e, a partir da exposição, incentivado pelo poeta/pintor Newton Navarro, realizou a primeira mostra individual, a qual foi um sucesso. Vendeu todas as 20 obras expostas. No entanto, não faturou nada. Ao invés de vender, doou aos amigos todas as obras.

“Yêda (esposa) quase me mata”, conta. Aos poucos foi pegando o jeito, ainda que não se importasse com as remunerações. Preferiu o direito como atividade de renda que o manteria por toda a vida. Dessa época, cultivou uma amizade forte com nomes expressivos da cultura potiguar, como Dorian Gray e o próprio Newton Navarro. “Eles são pioneiros aqui, pintaram muito cedo. Nós éramos muito amigos. Muito da minha entrada na pintura e do que sou hoje eu devo a eles”, continua.

 Os 50 anos de carreira do artista plástico foi celebrado
em um livro álbum com seus renomados trabalhos
 
ARTISTA
...E NÃO UM BUROCRATA

Hoje, aos 77 anos (“Tenho 77, mas ninguém diz. Não me convém contar os anos”, brinca), conta que não ter escolhido a pintura como principal fonte de renda foi uma escolha acertada. Segundo ele, escolheu o direito porque era mais seguro, uma vez que “naquela época era ainda mais difícil viver de arte”. “Não sou um burocrata. Eu sou um artista, não aceito que digam que minhas pinturas são um hobby. Eu gosto, pinto, seleciono. Só que eu procuro superfícies. Procuro uma parede, namoro com ela, tomo um whisky, faço um risco. Esqueço. Depois eu volto, e aí começo a pintar”, descreve.

Neste meio século de dedicação à pintura, são cerca de 200 obras espalhadas pelo Brasil. Possui painéis nas praias do litoral potiguar, como Muriú e Jacumã; em Salvador (BA), em Campo Grande (MS) e Niterói (RJ). Os grandes painéis sempre foram uma característica, geralmente pintadas nas casas de amigos ou prédios privados. “Eu sempre achei esses quadrinhos uma coisa pouco expressiva. Eu sou mais espaçoso, precisava de obras grandes para me expressar”, contou.

Em arroubos de expressão, nas décadas de 1960 e 1970, pintava os muros e as paredes da casa que matinha na Rua Mossoró, em Natal, onde funcionou seu primeiro ateliê. Com o tempo, adotou a praia de Muriú como ateliê defi - nitivo, dividindo o tempo com os trabalhos na capital.

Aos poucos, começou a realizar exposições individuais, sendo definido pelo médico, e também artista, Iaperi Araújo, como “um dos poucos artistas renomados” da época. Seu estilo primitivo e alegórico se estabeleceu, sendo convidado para pintar uma das suas obras mais representativas: A Fruteira do Nordeste, na antiga fábrica Sams, em 1970.

“Não digo que foi minha obra mais expressiva, mas a que tinha mais volume. Me deu a perspectiva de não mais repetir os frutos, e sim pensar em novos contornos”, explica, enquanto faz movimentos na parede em branco do apartamento, como se ainda segurasse a goiva, refazendo o desenho. “Deu um trabalhão, mas eu gostava. Você tinha que ter segredo, a dosagem. Esperar o tempo do trabalho”

A partir desse trabalho, experimentou novas técnicas, como a espátula, nanquim e a pintura a óleo. No entanto, logo voltou para a sua “natureza viva” de fl ores e frutas. “Não consigo fazer nada da fi gura humana, nunca fui capaz de pintá-la. É mais a fruteira, a paisagem, as cores da natureza que fascinavam mais. Gosto mais da natureza viva”, comentou.

 
 Estudantes revitalizaram painel de Artista Plástico potiguar
Fotografia: Adriano Abreu 
 
PAINEL É RESTAURADO
ESTUDANTES REVITALIZAM PAINEL DE ARTISTA PLÁSTICO CONSAGRADO

Nem sempre os painéis são esquecidos. A obra mais representativa de Aécio Emerenciano, o painel “As fruteiras do Nordeste”, de 1970, foi restaurado no último sábado, através de uma iniciativa pioneira. A ação levou cerca de 45 crianças da Escola Estadual Stella Wanderley, de Neópolis, para repintar a obra. O painel não era restaurado desde o fechamento da antiga fábrica Sams, há 10 anos.

A restauração foi coordenada pela artista plástica Ana Selma Galvão. As crianças selecionadas fazem parte do projeto “Ana Selma Arte Ecológica”. Através de oficinas e palestras, a artista tenta levar para as escolas formas de fazer arte reutilizando materiais.  

Para Galvão, a participação de crianças na  restauração foi uma experiência única – tanto para ela enquanto artista, quanto para as crianças.

“Essa é também mais uma experiência de valor para o artista. Em meus 12 anos como artista plástica, esse é o projeto com que me envolvo mais. Ao mesmo tempo em que a gente faz uma conscientização das crianças sobre a preservação do meio ambiente, também mostramos como é o trabalho de  recuperação da arte e a história que essa obra traz”, explicou.

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