CÂMARA CASCUDO
Faceta filosófica de
Luís da Câmara Cascudo ganha luz
com a reedição, 40 anos depois, de
Prelúdio e Fuga do Real
Fotografia: Divulgação
CÂMARA CASCUDO
E SEUS DIÁLOGOS COM O MUNDO
Por
Yuno Silva
TRIBUNA DO NORTE
TRIBUNA DO NORTE
O mundo bateu à porta de Câmara
Cascudo, e as anotações habituais que fazia nas páginas dos livros que lia
serviram de alicerce para “Prelúdio e fuga do real”. Rara experiência literária
do historiador, pesquisador, antropólogo, advogado e jornalista potiguar,
famoso por estudos etnográficos e culturais, o livro constrói diálogos imaginários
com escritores e personagens de sua preferência, figuras bíblicas e mitológicas
como Maria Madalena, recebida na casa do escritor ali no caminho da Ribeira
para a Cidade Alta; ou Maquiavel, com quem Cascudo conversou na Praça Augusto
Severo, Ribeira. Caim, Luís de Camões, Dom Quixote, Ramsés II, Nostradamus,
Epicuro, Rei Midas e Judas Iscariotes também estão na lista dos papos (francos
e fluidos) que podem ser lidos em qualquer ordem e tempo.
Hoje, data histórica, quando se
completa exatos 28 anos de seu encantamento, essa faceta pouco conhecida do
intelectual será (re)apresentada ao público no Centro de Convivência da UFRN,
local escolhido para o lançamento de “Prelúdio e fuga do real”. O livro está
esgotado há décadas e essa segunda edição sai sob chancela da Global Editora e
da EDUFRN. Na capa, o ‘olho’ captado pelo fotógrafo Ivan Russo em formação
rochosa na região do Gargalheiras, em Acari, sugere a visão amplificada de Luís
da Câmara Cascudo (1898-1986).
Durante o lançamento, marcado
para esta quarta-feira às 18h, na Galeria Conviv’art, haverá breve debate sobre
a relevância de seu conteúdo com o professor Humberto Hermenegildo, o
jornalista e crítico literário Nelson Patriota e a escritora, filha do
homenageado, Anna Maria Cascudo Barreto.
“Será uma conversa rápida, apenas
para passar algumas informações e ressaltar o perfil da obra. Considero esse
livro um ponto de partida tanto para ler e reler outros títulos de Cascudo como
para buscar entendimento de seus pensamentos”, disse Hermenegildo, coordenador
do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses da UFRN, que conduziu
a tradução, elaboração e contextualização das notas – detalhe ausente na
primeira edição de 1974.
A companheira, agora só, de um dos maiores folcloristas do
Brasil
fotografia: Canidé Soares
DIÁLOGOS COM UM LEITOR VORAZ
Publicado originalmente em 1974,
o livro revela o Cascudo leitor, “mostra quem foi, o que pensava e sua visão de
mundo”, avalia a neta Daliana Cascudo. Em 35 capítulos Câmara Cascudo trava
diálogos hipotéticos, informais e instigantes. As mais de 300 páginas também
são recheadas por 506 notas que tecem uma colcha poliglota de referências;
citações em inglês, francês, italiano, latim, espanhol e alemão que comprovam a
rica visão de mundo de Câmara Cascudo, suas impressões sobre os dilemas humanos
e o alto grau de sua formação intelectual.
Câmara Cascudo tinha o hábito de
anotar nas margens dos livros impressões sobre tudo o que lia. “Quem pega um
livro de sua biblioteca pessoal vai perceber o tanto que ele debate, concorda e
discorda dos autores e personagens. Acredito que essas discussões deram origem
a ‘Prelúdio e fuga do real’. Vejo traços filosóficos nos textos”, destacou
Daliana, diretora do Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo, museu e memorial que
funciona na casa onde o mestre nasceu e viveu toda sua vida, ali na subida da
Ribeira para a Cidade Alta.
A revisão cuidadosa desta segunda
edição de “Prelúdio...”, que corrige uma série de erros apontados pelo próprio
autor na época da publicação original, foi realizada por Nelson Patriota,
Fátima Maria Dantas e Andréia Braz.
MATURIDADE LITERÁRIA
Para o professor Humberto
Hermenagildo, apesar de “Prelúdio e fuga do real” pedir bagagem e repertório
literário, o livro oferece entendimento para questões locais com base em uma
ampla e eclética visão de mundo. “Câmara Cascudo era um cosmopolita
extremamente ligado às tradições, e como não conhecemos muito sua literatura
esse livro nos dá uma visão de seu lado escritor. Uma faceta diferente do
Cascudo pesquisador e etnógrafo. Vemos passagens ensaísticas, imaginação e
criatividade literária”, enumera Hermenegildo, lembrando que “Prelúdio...” foi
escrito na fase madura do autor.
“Ainda temos muito a desengavetar
sobre Cascudo, há várias pesquisas em curso no Núcleo (Câmara Cascudo de
Estudos Norte-Rio-Grandenses)”, reforça o professor. O próprio, inclusive,
iniciou estudo sobre a correspondência de cascudo na década de 1920.
FRONTEIRA
O jornalista e crítico literário
Nelson Patriota, em artigo publicado esse último domingo (27) nesta TRIBUNA DO
NORTE, escreveu que “Prelúdio e a fuga do real” é um texto “fronteiriço entre
diversos saberes – literatura, mitologias, ciência e técnica, religião e
política”. Para Patriota, o livro oferece ao leitor “uma riqueza textual de tal
ordem que o torna um livro especial, não só dentro da vasta obra cascudiana,
mas na própria bibliografia nacional”.
O crítico aponta que, por trás da
trama, “percebe-se claramente um ‘ardil literário’: a pretexto de discutir
determinados assuntos de interesse geral e intrínsecos às preocupações
humanistas, Cascudo recebe uma série de convidados, pessoas de outros tempos,
personagens literários e míticos que guardam alguma relação com cada assunto
tratado. Nesse processo, que subverte a ordem natural do mundo, o mestre parece
estar perfeitamente à vontade. O diálogo com o centauro Bianor Silva,
descendente do grande Quíron, preceptor de Aquiles, dá pretexto para uma
conversa sobre a educação dos jovens”, exemplifica.
...serviço...
O lançamento de “Prelúdio...”
(Editoral Global/EDUFRN, R$ 59, 304 páginas) será nesta quarta-feira, às 18h,
na Galeria Conviv’art – Centro de Convivência da UFRN.
...fonte...
Yuno Silva, repórter
(*) Colaborou: Cinthia Lopes,
editora
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