novembro 19, 2014

A ARTE DO MESTRE DOS MAMULENGOS


FRANCISCO DE ASSIS GOMES
A ARTE DO MESTRE DOS MAMULENGOS
Os bonecos do Mestre fogem do habitual e fascinam o público
Sua arte Já foi homenageada pela Câmara Municipal de Natal 
com a Comenda Deífilo Gurgel e um comercial criado com
 os bonecos  produzidos pelo artesão já recebeu
 premiação nacional em Gramado
Fotografia:Cícero Oliveira
 
 OS MAMULENGOS DE RAUL

Por
Hellen Almeida
AGECOM

Agência de Comunicação da UFRN 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
 
“Quando meus bonecos vão embora é como um filho que vai embora. Um filho meu que vai representar meu nome lá fora”. Esse é o sentimento vivenciado por Francisco de Assis Gomes, mais conhecido por Raul do Mamulengo, destacado artesão norte-riograndense que dedica a vida a divulgar a arte de manipular bonecos e de contar “histórias de Trancoso” para o público de diversas idades no Rio Grande do Norte.

Raul do Mamulengo já se apresentou na maior parte dos municípios do RN e viaja para estados próximos para mostrar sua arte. Já foi homenageado pela Câmara Municipal de Natal com a Comenda Deífilo Gurgel e um comercial criado com bonecos produzidos pelo artesão já recebeu premiação nacional em Gramado. O trabalho era de divulgação da festa Mossoró Cidade Junina e retratava a luta travada entre os moradores da cidade e o bando do cangaceiro Lampião.

O reconhecimento do esforço realizado aumenta a responsabilidade em manter viva a arte, que recebe atenção especial na confecção dos bonecos e na produção das apresentações. O artesão fabrica seus personagens em uma oficina montada no quintal de casa, no conjunto Parque das Dunas, Zona Norte de Natal. Ele ri e estima já ter feito mais de 700 mamulengos, que são para ele como uma família. “São como filhos meus”, brinca.

Os bonecos são feitos de madeiras como mulungu, imburana, raiz de timbaúba e pinhão bravo, material que ele busca no interior do Rio Grande do Norte a cerca de 110 km de Natal. Raul explica que o tempo para a confecção dos mamulengos varia, conforme o modelo e o material empregado, já que algumas madeiras são mais duras e demoram mais para serem modeladas. As ferramentas utilizadas no processo são adaptadas para a necessidade do artesão.

Para criar cada personagem, ele não precisa desenhar, vai criando no improviso. “Vai nascendo naturalmente. Vou fazendo uma peça e minha mente já vai dizendo como deve ser feito”, revela, mexendo as mãos como se esculpisse um boneco.

O ofício de artesão surgiu quando ainda era criança. Neto de contador de histórias – as famosas histórias de Trancoso do interior –, era comum para ele ver apresentações de João Redondo na região onde morava. O apelido Raul também é dos tempos da infância: aos 12 anos resolveu adotar o nome de um dos homens mais ricos do lugar em que vivia, a cidade de São Tomé (RN).

“Quando éramos pequenos, nós queríamos ser donos de terras, viajar, ser alguém na vida. Eu acreditava que um dia eu ia melhorar de vida, tinha essa fé, daí comecei mudando meu nome”, relembra, ao contar que ele e os amigos se espelhavam em conhecidos que tinham melhores condições. Em sua turma, outro colega chamado Clodemir passou ser Sinésio. Já Francisco Vicente passou a atender por Paulo Gomes.

Ainda criança, Raul fazia bonecos com piões, improvisava um cenário com a coberta da rede de dormir, esticada no canto da parede, e armava um teatro de bonecos de brincadeira com os colegas. O artesão lembra que, na época, não possuía os meios que hoje tem para fazer trabalhos com muito luxo e bem acabados. O que fazia era pintar o boneco do capitão João Redondo com a flor do mororó, planta que solta uma tinta amarela. Fazia também Baltazar, outro personagem famoso no mamulengo.

A brincadeira de menino ficou “esquecida” por cerca de 30 anos, recorda, só sendo retomada quando já trabalhava na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como motorista. Na ocasião de uma Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura da UFRN (CIENTEC), Raul conversou com a brincante de João Redondo – ou calungueira – Dona Dadi, que o incentivou a voltar a trabalhar com os bonecos.

A partir daquele dia passou a investir no novo ofício “com gosto de gás”. Segundo ele, alguma coisa o dizia para seguir em frente com vontade e fazer um trabalho de qualidade. Nessa época, já estava com 35 anos de idade.

Raul conta que não foi um período fácil quando começou a trabalhar com mamulengo. “Eu falava no trabalho o que eu estava fazendo, resgatando a cultura do Nordeste, e as pessoas diziam: a gente não tem interesse não. Agora é o contrário. Ligam pra mim perguntando se eu posso dar entrevista, falar sobre o trabalho que desenvolvo”, relata.

Hoje, os “filhos” de Raul estão espalhados pelo Brasil e pelo exterior. Atualmente existem mamulengos feitos por ele no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Brasília, em Minas Gerais, em Curitiba, em Porto Alegre, no Recife, em Mossoró, na Bahia e até na França. O artesão conta que a ida dos bonecos para a França aconteceu de forma espontânea. Após participar do programa Xeque-Mate, da TV Universitária, uma estudante da UFRN pediu para que o mamulengueiro construísse uma caricatura de seu tio, produtor de cinema no país europeu. Raul então fez um boneco segurando uma câmara de filmagem, que foi enviado para o Velho Continente.

NOVOS PRODUTOS

Buscando se destacar cada vez mais com seu trabalho, Raul do Mamulengo busca novidades para sua produção como artesão popular. Não bastassem os mamulengos conhecidos nacionalmente, ele investe em novos produtos, como peças artísticas fabricadas com material reciclado.

Raul diz que o artista não pode fazer só uma coisa, senão ele “está frito”. Atualmente, ele busca no lixo inspiração para peças artesanais: a fibra retirada do interior de portas de geladeira, por exemplo, se transforma em peixes decorativos. As cabaças, originadas de uma planta muito comum no interior do Nordeste, dão vida a pássaros após passar pelas mãos hábeis do artesão, que finaliza o trabalho com o uso de tintas coloridas. Outra habilidade é compor mosaicos de caleidoscópio utilizando pincel fino e tinta de automóvel de secagem rápida.

“Eu vou pegando tudo o que as pessoas descartam, que acham que é lixo. É um trabalho que também está consolidado. Recentemente fiz uma exposição na Universidade, após passar por uma comissão julgadora que avaliou todo o material. Esse reconhecimento me deixou muito feliz”, comemora.

 Um homem simples, defensor das tradições nordestinas, determinado, apaixonado pelo que faz e pela família que tem, Raul do Mamulengo se diz realizado. “Aquele menino pobre, que saiu do interior, hoje é conhecido e respeitado na área da arte”, emociona-se.

Mas, a melhor definição de Francisco de Assis Gomes está nas palavras de um colega de trabalho na UFRN, Ariston Bruno da Silva, que descreve o artesão como um ser humano raro. Com um sorriso no rosto, vestindo suas camisas floridas, chapéu na cabeça e cordão de prata no pescoço, o “bigodudo”, como Ariston chama Raul, sempre chega alegre e repleto de picardia.

“Jamais encontrei o sujeito com mau humor. Não há no trabalho alguém que não tenha escutado  algumas  de  suas  piadas  ou  até  mesmo  história.  Um personagem que  enriquece  o ambiente e sempre reafirma ‘eu sou internacional’”. Para Bruno, Raul é essencialmente um ser que transmite alegria, assim como seus bonecos.


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