janeiro 16, 2013

DE REPENTE... O REPENTE, OXENTE!!

  ANTÔNIO LISBOA
O repentista fala sobre a experiência da poesia
Poeta também comenta acerca de sua pesquisa no sul da França
 Estudo na poesia trovadoresca da Europa rendeu documentário
Fotografia: Divulgação

ANTÔNIO LISBOA
UM DOS MAIS IMPORTANTES VIOLEIROS  DA ATUALIDADE

 Via
Jornal Gazeta do Oeste  

O poeta passa diante do grande relógio da Praça do Codó, Mossoró/RN, com a viola às costas, bem devagar... Acena, aos poucos, mesmo timidamente, para a reportagem do Jornal Gazeta do Oeste. Sentado num dos bancos, começa a conversar com a equipe. Antes, uma pequena entrevista ao caderno foi dada, num café da cidade. “Estou à vontade. Pode perguntar”, diz, sorrindo.

Natural de Marcelino Vieira/RN, Antônio Lisboa é um dos mais importantes violeiros da atualidade, no Nordeste. Apresenta-se em festivais e eventos diversos. No currículo, várias participações importantes em eventos de cunho cultural, além das três Caravanas dos Poetas (1979 / 1987 / 1994). As Caravanas tiveram como tema a Anistia, a Reforma Agrária e a Saúde. “Eles nos davam os temas e saíamos pelo Brasil, nos apresentando de acordo com a temática. Foi uma experiência extremamente importante para a minha carreira, principalmente a de 1979, a primeira. Muitos poetas repentistas são pessoas politizadas”, diz, ressaltando que o seu início na cantoria aconteceu, ainda, quando criança. “Eu sou do interior do Estado, de uma região que tem grande tradição em termos de cantoria, que produziu importantes nomes. É um dos celeiros. A região do Alto Oeste teve importantes cantadores. A cantoria, hoje, sofreu uma mudança; devido ao êxodo rural, foi para a cidade e continuou no interior. Ela ganhou esse mercado urbano e manteve suas raízes no campo. Hoje é uma manifestação mais urbana com um pé no rural”, explica.

Segundo ele, na família tudo era comemorado com cantoria. “Nasci numa família e num lugar onde as comemorações eram feitas à base de cantoria: casamentos, aniversários, celebrações, noite de natal, noite de ano-novo, São João, tudo isso tinha cantoria. Minha mãe tinha um rádio que passava o dia inteiro transmitindo cantorias de grandes nomes do repente. Eram cantadores ótimos, da Rádio Assunção, de Fortaleza... Esse período foi importante na minha formação como repentista, porque me deixou um grande legado, no sentido de que aprendi mesmo o repente ouvindo e distinguindo as metrificações e estilos de cantoria. Ou seja, somente de ouvir já sabia se era, por exemplo, uma sextilha ou qualquer outro modelo poético. Todos os estilos me chegavam ao ouvido. Aprendi como se montava um mote e as rimas. Aos 10 anos, já sabia todos os gêneros. Também tinha grande facilidade de decorar as canções e os poemas que eram lançados no rádio. Em dois dias, já podia decorá-los completamente”, explica.

Mas a profissionalização veio, mesmo, em Mossoró. “Tornei-me cantador em Mossoró, no fim dos anos 70. Comecei, desde então, a me profissionalizar. Meu pai veio morar aqui e, logo depois, tive contato com outros cantadores. No entanto, o rádio de Mossoró tinha pouco espaço para o gênero”, diz.

Antônio Lisboa salienta que, durante esse período, apenas Onésimo e Elizeu cantavam na Hora da Coalhada, na Rádio Rural. “Morei alguns anos na casa do poeta Luiz Campos e, nessa época, apesar do pouco espaço nas rádios, tive um grande contato com o efervescente movimento cultural de Mossoró, à época, extremamente politizado, com a fundação do Partido dos Trabalhadores, além de outras manifestações, como a Pastoral da Juventude e as lutas de classe. A minha formação vem, também, desse envolvimento com as lutas daquele momento histórico”, fala.  
 
  Um cartão postal
Assim pode ser definida a nova Praça  Bento Praxedes 
(Praça do Codó) Mossoró/RN
Fotografia: Divulgação 

 O REPENTE QUE NÃO MORRE 

A cantoria, como uma cultura de resistência, consegue sobreviver, muito bem, junto a essas novas ferramentas e mídias. Essa é a opinião do poeta Antônio Lisboa. “Acho que ela ainda deve continuar como alternativa nesse contexto. Tira-se muito da cantoria e dá-se muito pouco. Muitos artistas e pesquisadores têm suas bases na poesia popular. Alguns nomes como Zé Ramalho e Raul Seixas exploraram esse tipo de poesia”, salienta.

Segundo o poeta, há seis personagens na poesia popular que devem ser bem observados: o repentista, o conquista, o aboiador, o cordelista, o declamador e o cancioneiro. “Todos eles produzem a poesia popular, cada um de uma maneira diferente. Esses personagens, se observarmos, se apresentam de maneira singular e contribuem para a poesia. Nas cantorias, muitas vezes, também cantamos a canção, que foi criada por Elizeu Ventania”, diz.

Tudo isso, de acordo com o poeta, faz com que o repente não morra. “A poesia popular em si está cada vez mais rica e o repente, por sua vez, está se renovando, abrindo espaço para outros novos repentistas. Esses repentistas, por sua vez, abrem espaço para outros e assim sucessivamente. Hoje, temos um espaço interessante em eventos públicos, que são importantes para a expansão da cultura do repente. Esses eventos acabaram por fazer com que muitas pessoas voltassem a ter contato com a cantoria e conhecessem os repentistas de perto. O que tira a pessoa de poder aquisitivo baixo dos eventos é o próprio valor dos ingressos”, fala.

Ele também salienta que é preciso “fazer o trabalho bem feito, antes de tudo, seguindo os padrões estabelecidos para cada gênero”. “A viola é um instrumento harmônico, que acompanha o repentista. Esse, por sua vez, deve ter consciência de seu papel, desenvolvendo bem o poema durante a apresentação. O cantador de coco, por sua vez, usa a musicalidade e a percussão”, frisa.     
 
 ANTÔNIO LISBOA
Cantando a sua aldeia, mas nunca esquecendo 
de que a voz do poeta é uma voz universal
 Fotografia: Divulgação

POR DUAS VEZES ESTIVE NA FRANÇA 
... E MOSTREI O REPENTE PARA OS EUROPEUS

Cantando a sua aldeia, mas nunca esquecendo de que a voz do poeta é uma voz universal, Antônio Lisboa empreendeu, em 2000, a sua primeira viagem ao exterior. “Fiz três viagens ao exterior. A primeira foi para Portugal, durante as comemorações dos 500 anos do Brasil, quando fomos com uma representação brasileira, levando e mostrando o que tínhamos em termos culturais. A Fundação José Augusto levou um grupo de artistas, composto por dançarinos, pessoas ligadas ao folclore e poesia. Do repente, foram eu e Onésimo Maia. Lá, nos apresentamos no shopping Colombo, um lugar que leva o nome de um importante navegador. Essa experiência foi rica. Fizemos várias apresentações”, explica.

Já no ano de 2001, Antônio Lisboa foi para a França, com Edmilson Ferreira, Rogério Menezes e Francisco de Assis. “Passamos 30 dias na França. Essa experiência foi totalmente voltada para a pesquisa mútua de relações entre nossa cantoria e a tradição trovadoresca do lugar. Durante esse tempo, pesquisamos e nos apresentamos lá, na região dos trovadores. Em 2005, com a aprovação do projeto pela Secretaria de Cultura de Pernambuco, continuamos pesquisando sobre os trovadores da Idade Média e a influência deles na nossa cantoria. Fomos aos castelos e entrevistamos pessoas ligadas ao estudo dessa temática, na região do sul da França. Conosco, estava uma equipe capacitada que elaborou, depois, um DVD, uma espécie de documentário. Nesse documentário, entrevistamos especialistas na língua occitânica, que é do sul da França, uma língua usada pelos trovadores antigos. Essa foi nossa segunda viagem e basicamente uma viagem de pesquisa”, diz.

A excursão de pesquisa aconteceu por meio de um grupo musical de cultura popular. “Eles pesquisam cultura popular dentro e fora da França. Descobriram o repente, se encantaram e nos levaram na primeira viagem. Cantávamos uma parte de três ou quatro minutos e, quando parávamos, uma pessoa traduzia o que havíamos cantado. Eles aplaudiam na primeira e na segunda vez. Era interessante aquele momento, pois lá não existe mais a tradição da poesia trovadoresca nem eles conheciam o repente nordestino”, finaliza.

...fonte...
 www.gazetadooeste.com.br

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2 comentários:

  1. Quando é que vamos valorizar os nossos artistas? Essa é a pergunta que me faço sempre que encontro um artista da terra fazendo sucesso lá fora, num é que sou contra, lá fora é bom, melhor seria se também aqui em nós!!

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  2. É sempre um prazer poder ter acesso a matérias desse porte ainda mais quando tem como figura central um ícone da nossa cultura popular, sobretudo da poesia.

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